Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David Diniz. Por isso foi com encantamento que vi sair, anos atrás, o belo livro com seu nome seguido do subtítulo “30 anos de fotojornalismo”, numa caprichada edição da UFPB.
Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David, por isso deixei de lado um certo gosto por copiar os Ingres e Rembrandts de lá de fora, e me detive em suas fotos, em 2004, o suficiente para produzir catorze ou quinze quadros em acrílica sobre tela,
que expus com orgulho no Festival Centro em Cena daquele ano, cada uma com o flagrante dele, a que acrescentei, apenas, alguma cor ou suprimi detalhes.
Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David, por causa de seus soberbos insights, como o da camponesa que se inibe pelo sorriso que esconde atrás da mão estropiada. Como o da velha e pobre senhora – intensamente enrugada – que nos olha com uma simpatia imensa, de total compreensão. Como o do catador de papel com seu épico capacete enfeitado com os pés metálicos de um castiçal quebrado. Como o do mendigo que dorme sentado no chão entre seus trapos, mas com a beleza de um Cristo no Horto das Oliveiras. Como o do homem que puxa, na rua, sua carroça cheia de papelões, atrás da qual vai, entronizado, um menino risonho que puxa um tratorzinho de brinquedo.
Ah, e o velhinho de boné, que saboreia um picolé num bar da Lagoa, ele todo pronto para uma viagem, usando na camisa uma estampa com o próprio Parque Sólon de Lucena representado sobre a frase “Préserver la Nature”.
Ah, e como me comove a mulher em visível miséria, acocorada no chão de sua tapera de pau a pique, mas amorosamente abraçada às suas duas crianças nuas.
Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David, porque não é feita de gente humilde que me dê vontade de chorar, mas de pessoas que sorriem da própria desgraça ou que não a lamentam, mas enfrentam, como as que vemos em torno do grande Dom José Maria Pires, entre cartazes toscos onde se lê “Não à fome”. É de gente que posa para o lambe-lambe como se o fosse eternizar um Diego Rodrigues da Silva y Velázquez. É de gente que valentemente sobe – como um general - um imenso paredão de pedras com dois galões d´água suspensos de uma vara que lhe cruza os ombros. É de gente que faz, irônico, o “V” da vitória à passagem do jumento sobre o qual vai a conclamação, na manta, “Vote no Quirino do Jegue”. É de gente que acaricia a cabeça de dois bebês levados na rua, na caçamba de um carrinho de mão. É de mendigo que dorme, indiferente, na calçada, ao lado da sacola em que se vê a imagem da mão de alguém que pinga uma moeda num cofrinho de lata da caderneta de poupança Própria.
É de gente que vive numa casa de taipa com duas antenas de televisão, uma das quais parabólica.
Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David, que faz os dois gigantes parrudos do monumento a João Pessoa, no centro da cidade, parecerem sustentar não uma bigorna, com brutal esforço, mas a escada da mulher da limpeza, que dá uma geral na bela Vitória Alada, sobranceira por trás deles. Ou que flagra a cueca amordaçando galhofeiramente o busto de Tamandaré. Ou uma ala de soldados armados de cassetetes que aguarda o que vai fazer a multidão de estudantes que grita palavras de ordem do outro lado da rua. Ou o ciclista, na praia, que pega carona no cangalha do cavaleiro que vai na mesma direção. Ou a exposição de carretas de brinquedo – feitas a mão - na calçada de uma avenida movimentada, onde passam automóveis ... de repente gigantescos. Ou o ciclista – outro gozador – que pedala na avenida, quase deitado na adaptação que fez à sua bicicleta com guidom de Fórmula-1.
Tenho um amor muito grande pela humanidade Antônio David.
W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta