As obras de arte às vezes nos levam a Lilliput, às vezes a Brobdingnag. O que importa é se são perfeitas. Sobre os poemas de Sérgio de Ca...

A chave do tamanho na poesia de Sérgio

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As obras de arte às vezes nos levam a Lilliput, às vezes a Brobdingnag. O que importa é se são perfeitas.

Sobre os poemas de Sérgio de Castro Pinto foi dito que são claros, ágeis, nítidos, suficientes (Câmara Cascudo); escritos com maestria e senso de humor (Ferreira Gullar); têm uma concisão que beira com frequência à lapidaridade (José Paulo Paes); coisa de quem monta o mundo em pelo (Lygia Fagundes Telles); têm o dom de captar o incaptável e de ver o invisível (Hildeberto Barbosa Filho); são a reinvenção da metáfora (José Louzeiro); obra de um poeta com astúcia verbal (Fábio Lucas).

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Muito bem. Astúcia verbal, reinvenção, concisão. Mas a observação que me leva a escrever este artigo é a de Câmara Cascudo: seus poemas são ... suficientes.

O que significa isso?

Bem. Defina-se “perfeição”. É o resultado da capacidade, do artista, de se sair genialmente bem do problema estético que lhe foi proposto ou que ele mesmo se propôs. Problema estético inclui uma série de coisas: Augusto dos Anjos podia ou não mencionar palavras como escarro e pústula. Brecht podia ou não ser tão engajado. William Carlos Williams podia ou não fazer poesia com tema tão pouco elevado como um carrinho de mão. E quanto à extensão? As obras mais celebradas da humanidade, em versos, ainda são a “Ilíada”, a “Odisséia”, a “Eneida”, “A Divina Comédia”, “The Waste Land” “Leaves of Grass”. Isso porque, supõe-se, o fôlego criativo para se manter qualidade na quantidade é o supremo desafio dos gênios.

Bem, depois de passar a vida vendo fotos de grandes obras de arte, ver muitas delas ao vivo foi uma experiência intensa para mim. O carisma da presença é poderoso. Daí que o quadro de El Greco, de 2,85 m por 1,73, que vi no altar-mor da catedral de Toledo, em que Cristo é despojado de suas vestes vermelhas, me deixou estatelado. Mas arrepiou-me, igualmente, “A Vista de Naarden”, de Jacob van Ruisdael, de apenas 35 X 67 cm, do Museu Thyssen-Bornemisza. Fellini dourou minha juventude com seus enormes “Amarcord”, “Satyricon”, “La Dolce Vita”, “E La Nave Va”, mas me deslumbrou, também, com o filme de 2 minutos que fez para la Banca di Roma, intitulado Sonho do "déjeuner sur l'herbe". A “Paixão Segundo São Mateus”, de Bach, concebida para grande coro e orquestra, me extasia. Mas também me deslumbram as pequenas peças para piano de Erik Satie, como suas Gymnopédies e Gnossiennes. Ante o outdoor com vários emes da logomarca do Mcdonald´s fazendo Mmmmm, só pude dizer “Putz!” E a interjeição foi a mesma quando vi a famosa marca de uma revista que jamais chegou a ser publicada – Mother & Child -, em que o & está inserido no “o” de Mother – feito um feto. Em todos esses casos, seus criadores tiveram a “chave do tamanho”, a mesma que todo escritor usa quando decide se a última idéia que teve se presta para um romance ou conto.




Sérgio de Castro Pinto pertence à classe dos joalheiros. Sua profissão de fé é a mesma de Bilac, pois também “No verso de ouro engasta a rima,/ como um rubim”. Como o parnasiano, ele poderia dizer que não quer saber do mármore de Carrara, mas só de cristal e ônix. Certo: taí “O Cristal dos Verões”, do nosso poeta, agora nas livrarias. Parece-me que ele preferiria assinar o preciosíssimo solo da Rainha da Noite a toda “Flauta Mágica”, de Mozart, que a contém, ou o soberbo julgamento de Zé Bebelo a todo o “Grande Sertão:Veredas”, de que ele faz parte. Para quê filmar todo o “Ben-Hur”, se o que fica dele é a corrida de quadrigas? E aí ele se decidiu a ocupar menos espaço do que Ruisdael, menos tempo do que Satie, para compor pequenas maravilhas como quando diz sobre a girafa que ela “é top model / é audrey hepburn”. Ou, magistralmente, uma “gravata/ de corpo/ inteiro/ recém-saída/ do tintureiro”.




Nesse mister, de lupa no olho ( não sei se no de Camões ou de Lampião), pinça associações ainda mais precisas, em que vê as cigarras como “guitarras trágicas” que “Plugam-se/se/se/se” e “gargarejam/ vidros/ moídos.” E “putz!”, é o comentário que posso dizer quando leio “dou duas voltas/ na chave/ e trancafio/ a paisagem/ lá fora”.

“Astúcia verbal”, Fábio Lucas vê no nosso poeta. Sérgio aprendeu isso no tempo da ditadura, talvez influenciado por Brecht, que dizia viver num tempo sem sol, no qual “uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença.”

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Lembro-me de que, ao me encomendar um texto teatral em 68, Ariosvaldo Coqueijo me pediu – por causa da censura - que fosse o mais enxuto possível, e que eu colocasse na França os fatos ocorridos no Rio. Sérgio fez coisas semelhantes tão bem, que alguns de seus poemas hoje são tão citados na Paraíba quanto os de Augusto dos Anjos:

- “O medo/ se aloja na medula/ como um cubo/ de gelo.”

- “A carta branca do montilla/ não era de alforria./ o papagaio era calado/ o cuba-libre nos prendia.”

Pode, um poeta de tal país, dormir em paz?

- “Nas fronhas da infância/ ensaquei meus sonhos/ hoje, ensaco pedadelos”,

- “Nenhuma ovelha/ pula a cerca/ de minha insônia”.

Astúcia e concisão.

Como se vê, os poemas dele são, realmente, como disse Cascudo, “claros, ágeis, nítidos,... suficientes.” Porque ele tem a chave do tamanho.


W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta

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