Não existe nada mais gratificante do que contemplar uma criança ou adolescente com um livro nas mãos. Seja a caminho da escola ou em casa. Esses instantes são para mim gratificantes, pois aconteceram no passado com os meus filhos e agora se repetem com os netos. Antes acompanhava minha filha adentrando o mundo da literatura e, agora adulta, ela mesma escrevendo e lendo seus textos para seu filho e sobrinhos. Sinto-me realizado.
Livros para que te quero. Foi o que pensei na manhã enquanto percorria o caminho do trabalho no ônibus, sentado ao lado de uma adolescente cor de jabuticaba madura. Vendo-me fechar o livro de Neruda que conduzia, pediu-mo e, durante longo percurso da viagem, silenciosa, lia os poemas com voracidade.
Num intervalo de uma página para outra, perguntei-lhe se gostava de poesia.
- Gosto.
Uma resposta curta. Fiquei calado. Deixei a estudante na sua leitura, somente interrompida pelo sacolejo do ônibus. Sem retirar o olhar pelas páginas do livro, notava o brilho nos olhos e o semblante jovial transformando-se em sorriso a cada verso balbuciado.
Grande era seu interesse pelos poemas de Neruda e maior minha ansiedade para trocar com ela algumas palavras. Dialogar. Saber quem era, onde estudava.
Silencioso, contemplava a garota lendo os versos do poeta chileno de tal modo que pensei como nosso país tem gente com sede de leituras. Os jovens cada vez mais estão lendo, apesar de tantas formas de divertimentos ao seu alcance.
Meus filhos cresceram com olhar nos livros, coisa que nem todos de sua idade tiveram acesso, suponho. Esse foi meu prazer, minha realização vencendo obstáculos. Não há maior presente do que encaminhar crianças ao mundo da leitura.
Enquanto o ônibus seguia ao destino final, lembrei que os poderes públicos poderiam criar mecanismos mais eficazes para proporcionar o hábito de ler entre os jovens, mas não fazem. Bibliotecas por todos os cantos, estudantes com acesso aos livros. Livros baratos ao alcance de todos. Que maravilha!
Bom seria se um percentual do gasto financeiro com a manutenção de um parlamentar, o dinheiro apreendido das sonegações e das falcatruas fossem revestidos na aquisição e distribuição de livros nos bairros mais humildes, no campo, nas escolas, numa grande campanha nacional pela leitura. Como seria bom!
Esta adolescente, ao demonstrar interesse pelos livros, me fez lembrar o tempo quando minha filha despertava o gosto pela leitura, pedia indicação de livros e até comentava o que havia lido. Agora fazendo o inverso, traz-me recordações de leituras esquecidas.
- Já tinha lido Neruda?
- Alguma coisa, numa antologia.
Doei para ela "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada".
Descobri que a jovem do ônibus e eu moramos em bairros próximos. E prometi que levaria livros para ela...
José Nunes é poeta, escritor e membro do IHGP