Por acaso, encontrei o vendedor de pirulitos. Arrumada na tábua perfurada, a delícia daqueles bombons que eu não via há muito tempo. Interessante como os usos e costumes vão se esfumando: antes, passando pelas ruas, muitos deles transitavam, as crianças esperando a hora, cutucando os pais para pedir as moedas; à época, ninguém tinha nenhum saber sobre diabetes, triglicérides, colesterol bom ou mau.
O vendedor trazia um ar circunspecto. Esboçava, suavemente, um sorriso tímido. Sentado a meu lado, enquanto o ônibus não chegava, pouco levantava a vista a encontrar os passantes, os apressados ao embarque, o transitar das pessoas, nem prestava atenção ao derredor. Ninguém ousasse abrir uma conversa com ele. Os ponteiros tocando as horas, ele atendendo um ou outro freguês, principalmente pequerruchos, sem deixar os lábios descolarem. Guardava o dinheiro da venda no bolso da bermuda e se levantava para encontrar outros compradores.
Não ousaria, jamais, quebrar o seu isolamento em meio a tanto barulho e expectativas, comentários, um transistor alto tocando safadões irritantes. O homem se perdeu de minha vista. Faltava tempo para a chegada do ônibus de meu destino. Levantei-me e saí a seu encalço. Percorri todos os becos e recintos da rodoviária como detetive improvisado. Mas, afinal, que estava fazendo eu, prestes a viajar, faltando meia-hora, à procura do vendedor?
Pensei, racionalmente, em suspender a busca julgada por mim mesmo desnecessária e infrutífera. A raridade me atraiu em saber algo sobre o trabalho descartado pelas lufadas do tempo. Já estava a desistir, quando o vi bebendo água mineral.
Acheguei-me. Olhou-me desconfiado e disse: “Senhor, só sobrou este”. Encabulei-me por não ser criança. Adquiri o bombom. A tábua ficou vazia. Ele me olhou, criando súbita confiança: “Foi o primeiro adulto que comprou um pirulito”. Sorri, removi o papel que embalava a guloseima, apertei a mão do vendedor e retornei.
O relógio apontava as proximidades da saída do ônibus. Voltei a me indagar o motivo de haver comprado o que poderia ter dispensado. Não existiria explicação. Mas me senti, de repente, aquele menino, que esperava ansioso a passagem do vendedor de pirulitos, tocando o triângulo, subindo a rua onde passei a infância. Chamavam-no de Chico Doçura. Mas, ao contrário do vendedor da rodoviária, amargo, Chico era sorridente, brincalhão, alvoroçado e cantava para os fregueses.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista