No livro “Quartas Histórias” — ed. Garamond 2006, organizado por Rinaldo de Fernandes, em homenagem a Guimarães Rosa — há uma história curta, minha, “Sarapalha”, em que meu personagem, professor de Literatura Brasileira da UFPB, é convidado, por uma organização secreta, a participar do aperfeiçoamento coletivo da obra do grande escritor mineiro, a partir desse conto, que era o de que ele menos gostava.

Bom. Eu mesmo, no poema longo “Trigal com Corvos”, já tinha dito que Aleijadinho deveria ter sido Miguelângelo, não o "nosso Miguelângelo", Carlos Gomes deveria ter sido Verdi, não o "nosso Verdi", Portinari deveria ter sido Picasso, não o "nosso Picasso" etc etc.
Mas o que nos falta?
Rodrigo Naves, em “A Forma Difícil”, falando sobre nossas artes plásticas, diz:
“Uma dificuldade de forma perpassa boa parte de nossa melhor arte contemporânea. A relutância em estruturar fortemente os trabalhos, e com isso entregá-los a uma convivência mais positiva e conflituada com o mundo, leva-a a um movimento íntimo e retraído, distante do caráter prospectivo de parcela considerável da arte moderna”.
O que ele denuncia é nossa “timidez formal”. Claro, isso fica patente quando nos lembramos de que não temos, no passado — mais distante ou não —, nada que rivalize com o teto da Sistina, a Missa da Coroação, o Pensador, Guerra e Paz, 2001, Folhas de Relva, Hamlet, Eclesiastes, Cidadão Kane, A Evolução Criadora, Amarcord, A Ilíada, Eneida, a catedral da Sagrada Família, e por aí vai. Mas reformulo a pergunta: Por que essa timidez?

De que mais precisaríamos? De uma História que não fosse – até agora - tão periférica, a ponto de sepultar – em termos universais – uma obra-prima isolada como “Os Sertões” do Euclides da Cunha, tornando esse vasto épico (absolutamente interno) muito menor – em termos de repercussão internacional – que as aventuras extraconjugais de duas burguesas ociosas como Anna Karenina e Madame Bovary.
Ser periferia é tão contundente para a arte, que Paris se encheu de artistas estrangeiros na época em que foi centro cultural do mundo.Para lá migraram os holandeses Van Gogh e Mondrian, os espanhóis Picasso, Dali, Lorca e Buñuel, os americanos Hemingway, Gertrude Stein e Henry Miller, os russos Kandinsky, Nijinski, Diaghilev e Chagall e muita gente mais.

Bem, mas como explicar o renome do colombiano Gabriel García Márques, dos argentinos Cortázar, Borges e Manuel Puig, do chileno Pablo Neruda, do peruano Vargas Llosa, do venezuelano Rômulo Gallegos, do paraguaio Augusto Roa Bastos, do nicaraguense Rubén Dario? Atribuo seu prestígio à sua genialidade, claro (embora não maior que a de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos ou Affonso Romano de Sant´Anna ), e ao peso da língua espanhola, imensamente maior que o da portuguesa, por carregar em sua trajetória personalidades como Cervantes, Lorca, Miguel de Unamuno, Calderón de La Barca, San Juan de la Cruz, Francisco de Quevedo, José Zorrilla, Juan Ramón Gimenez, Dámaso Alonso,

Otto Maria Carpeaux dizia que todo grande artista vive na convergência dos acontecimentos, citando para isso justamente o caso de Virgílio escrevendo na Roma do Imperador Augusto. Lembro-me de que fiz contato, anos atrás, com o escritório da agente literária Carmen Balcels, pretendendo deslanchar uma carreira internacional para meus romances, e ouvi, de quem me atendeu, que apenas três assuntos interessavam aos gringos naquele momento: Amazônia, Bahia e menores abandonados cariocas, “daí, por exemplo, o espaço aberto para ‘Galvez, o Imperador do Acre’, do Márcio de Souza.” Daí, quem sabe, também, acrescento eu, o surgimento do amazonense Milton Hatoum, aqui dentro e fora do país. E o fenômeno Paulo Coelho? Bem, não estamos falando de magia.
Feito os cães que ladram enquanto a caravana passa, nós – pintores, romancistas, poetas e cineastas paraibanos – somos agentes e vítimas da periferia da periferia e disso padecemos. Escapa um Augusto dos Anjos, salva-se um Zé Lins do Rego, esgueira-se um Walter Carvalho, escapole-se um Luiz Carlos Vasconcelos, Ariano, Chico César, Bráulio Tavares, Marcélia Cartaxo, Zezita, mas é justamente do consagrador Sudeste que alguns já fogem – de Wagner Moura a Beatriz Milhazes, de Rodrigo Santoro, a Vik Muniz.
Meu conto “Sarapalha”? Nunca mais ouvi falar dele...
W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta