Como repórter do cotidiano conheci Pinto do Acordeon, na passada década de 70, numa campanha política, quando ele ainda não era famoso. Detectei, de imediato, um artista completo: cantor com extraordinário timbre de voz, um “vozeirão”, compositor e contador de causos. Foi o último representante dos cantores de “gogó”, feito Luiz Gonzaga e Lindú, este da formação originária do Trio Nordestino.
Sou contra o dualismo maniqueísta música clássica e música popular. Para mim, a música é boa ou ruim. Não sou da opinião pedante de muitos pavões inexpressivos que fazem apologia da música alemã em detrimento da brasileira. Numa aula na UFPB, fui vítima de um destes que, ao “estalar pipocas”, foi surpreendido com uma pergunta minha sobre o critério de demarcação que fazia Pour Elise, de Beethoven, ser um clássico e Odeon, de Ernesto Nazareth, não ser considerado como tal. Além de não receber resposta, angariei um adversário. Agora que o pavão baixou a cauda, baixou.
Outro sedizente “maestro” menosprezou os músicos da orquestra sinfônica paraibana e foi incapaz de ler a partitura de Asa Branca, ô gozo!
Pinto do Acordeon foi um grande músico e pronto! A música estava no sangue e tudo nele tinha ritmo e harmonia. Compunha como quem toma um copo d’água.
Conversava com o mesmo, na década de 1980, no saudoso Bar do Pedro, no centro da cidade, local onde músicos se reuniam. Para onde foi, o Sertão o acompanhou. Era a voz pungente e plangente da poesia e da alma sertaneja paraibana.
Com maestria soube captar e traduzir com precisão as representações sociais paraibanas, seja através da música ou dos causos envolvendo o imaginário popular. Era tão simples e despretensioso, até inocente, que muitos políticos se aproveitavam da sua pureza e o exploravam para que fizesse composições para campanhas eleitorais, no 0800. Outras vezes as fazia espontaneamente e, por isso mesmo, não era valorizado.
No entanto, o seu talento falou mais alto e voou para o panteão dos grandes poetas a exemplo de Humberto Teixeira, Zé Marcolino, Zé Dantas e até o próprio Catulo da Paixão Cearense. Com inalienável sensibilidade soube contextualizar a realidade em que viveu e a alma telúrica paraibana.
Sua música versifica a luta, as desilusões, as conquistas e as fases de transição de uma Paraíba que se modifica sob o impacto da expansão das universidades nos diversos municípios quebrando a hegemonia do coronelismo político extemporâneo que, paulatinamente, chega a um triste e vergonhoso crepúsculo, revelado em múltiplas denúncias nos tribunais brasileiros.
Não é à toa que Patos o acolheu como filho ilustre e o reverenciou até à morte percebendo que o Sertão está emudecido.
Josinaldo Malaquias é pós-doutor em direito, doutor em sociologia e jornalista