Numa de suas crônicas Martha Medeiros fala no “dom de viver sem aplausos e sem plateia”. Sim, é um dom – e uma arte. Como dom, é graça concedida pelos deuses, não depende de nós; como arte, resulta de nosso esforço deliberado em viver com sabedoria, aperfeiçoando, dentro do possível, a vida que nos coube. É fácil? Certamente que não. Pois nada é fácil, nem mesmo viver sem fazer nada.
Viver sem aplausos e sem plateia. Principalmente nestes tempos de selfies obsessivos e de redes sociais facilitadoras de egolatrias delirantes. Como deve ser difícil para tantos mostrados, para tantos exibidos. Tantos e tantas que não suportam nem a sombra do anonimato, que não sabem o que significa discrição, que não conhecem os prazeres sutis do recolhimento, que nunca ouviram falar na elegância da reserva. Verdadeiras mariposas em busca da luz, com o sacrifício de tudo: da conveniência, do senso do ridículo, da distinção, do bom senso, da dignidade, da autoestima, da autocrítica.
Tirando os casos de timidez crônica, até se compreende o humano desejo de aparecer. Não necessariamente como celebridade, privilégio (será?) de poucos, mas pelo menos na suficiente medida que realce as possíveis qualidades, os possíveis sucessos pessoais. Em outras palavras: algum reconhecimento. Até aí, compreende-se. Mas sem esquecer que alguns, com a requintada sabedoria adquirida com o tempo, despem-se de qualquer veleidade, qualquer mundana pretensão, qualquer vaidade, até mesmo daquele humano anseio por gratificações de toda espécie.
Sabemos, é claro, que os que se recolhem aos mosteiros e conventos são exemplos radicais de auto-ocultação. Mas, de qualquer modo, são exemplos, mostram que é possível “viver sem aplauso e sem plateia”, apenas com a autoconsciência, o juízo exclusivo de si mesmo sobre eventuais qualidades e defeitos. O que enseja trazermos à luz a oportuna e arguta distinção entre vaidosos e orgulhosos: os primeiros buscam a aprovação alheia e os segundos se contentam com a própria aprovação.
Os que não possuem a vocação do claustro, obrigam-se portanto ao mundo, mas sem que isto signifique mundanidade. A boa opção seria, então, o mundo sem mundanidade, o que exige arte, aquele esforço de aprimoramento de que falamos acima, na direção não da perfeição, mas do comedimento, da sobriedade, da sabedoria.
O grande palco é para poucos; o pequeno, é para os mortais comuns, na esfera privada de cada qual. Mas o importante, para todos, é saber orgulhosamente “viver sem aplauso e sem plateia”, bastando-se a si mesmo, com o peso das induvidosas faltas e a consolação de méritos fortuitos.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB