Em questão de segundos soaram bombas e foguetões, e se pôde ver muitos deles, subindo, apressados, riscando o céu e detonando. Inevitável aquela faísca de engano, a impressão instantânea de que se honrava o morto.
Principiando naquela subida, o carro de Agenor vinha logo atrás da carroça com o caixão, e quase colado nela. Assim, Teofre pode vê-lo no esforço que fazia para visualizar o que se passava acima do teto do carro, com a cabeça inclinada por detrás do pára-brisa, quase colada nele, mas, logo, como alguém que fica sem entender uma história que todo mundo já sabe, com exceção dele mesmo, deixou de perquirir o alto e começou a fazer sinais na direção desse na carroça, ali trepado.
Téo agora o via esticar o pescoço e apontar com o queixo na sua direção, indagando, e então o da carroça gritou alguma coisa que aquele do automóvel ainda menos conseguiu entender, e que, depois de outras tentativas sem resultado, tanto para um como para o outro, esse último começou a sinalizar aos da frente que parassem.
Cutucado diversas vezes pelo ajudante da carroça, Zé Miguel foi tensionando os arreios com cuidado, a fim de evitar solavancos, antes de estancar a parelha num grito terminante.
Agenor tinha descido do carro e estava ali parado, de braços cruzados e pernas abertas, paletó mostrando o potencial das dobras, estufadas no peito por sobre os braços cruzados, preto que havia de ser para pesar o luto, o colarinho folgado e com a gravata desatando, tentando digerir o que os da carroça tinham acabado de lhe dizer, e que não o convencera de todo.
Aquilo era a Copa do Mundo, doutor, tinha sido gol do Brasil, disseram. Faltou pouco para Teofre complementar a informação que quase lhe vem à boca, no meio da veneta que lhe deu de falar que num momento daquele, bem melhor o doutor se faria num paletó branco, cor de algodão, e com uma daquelas fitinhas verde-amarelas enforquilhando a manga da camisa,
na altura do braço, num dia em que o Brasil jogava sua sorte na Copa do Mundo, mas fazer o quê – ele disse depois aos amigos no bar – aquela não era uma boa hora pra se tirar brincadeira.
Mas o moço havia descido do carro para perguntar o que estava acontecendo para as ruas estarem todas vazias, e com aquilo acontecendo dentro das casas. Tinha sido gol do Brasil, aquilo era a Copa do Mundo, doutor, lhe fora dito, mas aí ele deu como resposta que todo mundo sabia disso, mas que aquela Copa vinha acontecendo não era de hoje, e que nem por isso as ruas tinham ficado daquele jeito, vazias como estavam, nem houvera necessidade daquele povo tão socado como agora dentro de casa, de modo a que não aparecesse uma alma viva que fosse para se despedir do pai.
Ali, e naquele momento bem mais agitado que de costume, o dr. Agenor Macena disse e repetiu que, de jeito nenhum ele podia entender uma coisa daquela como não sendo uma desfeita. Da grande, disse. Uma covardia, disse, porque o homem deitado naquele caixão estava bem longe de ter sido algum ladrão ou bandido para merecer desprezo daquele tamanho, disse, com a mulher gorda berrando qualquer coisa lá do carro e ele olhando por um instante para ela e a dizer, calma, abrindo para ela aquela grande palma de mão, rósea, num gesto de contenção.
Em seguida, novamente se voltando para o da carroça, E então, que primeiro barulho foi aquele lá atrás, quis saber, Qual, perguntou-se, De um som abafado saído das casas, na verdade, e isso ele não disse, quem disse foi o da carroça, Parecido um estupor de multidão que acompanha um corpo caindo de altura sem salvação, E sem nenhum foguete pipocando na sequência, e então lhe foi dito que, de certeza, aquilo não podia ter sido outra coisa, havia de ser gol perdido, doutor, até mesmo pênalti perdido pelo Brasil.
Na sequência, os da carroça complementaram as explicações, disseram ao doutor que isso que ele tinha acabado de escutar agora, acompanhado de tiros e bombas, isso aí, doutor, tinha sido o povo gritando por um gol feito pelo Brasil, que quanto a isso podia ele seguir tranquilo que não era outra coisa, o Brasil estava ganhando o jogo, doutor. E assim sendo, ele sentou-se ao volante novamente, houve um silvo de relho no ar e prosseguiu–se o enterro.
Continua no próximo capítulo. Aguardem!
Alberto Lacet é artista plástico e escritor