Aqui, abaixo da linha do Equador, nordeste brasileiro, não há inverno, mas temos a estação das chuvas. Na falta das quatro estações, e de todos os ritmos que o tempo dita, gosto quando chove lá fora. Uma chuva que, como uma bússola, me indica o caminho do aconchego. Com o tempo que passa, venho gostando mais e mais dos tons cinzas e de introspecção. Por um momento, só. Quando chega o verão... é um desassossego!
Gosto de uma certa brisa, e de pensar num vinho tinto, com pão de alho e uma massa ao pomodoro com manjericão. Um luxo! No verão, a sede me inibe aos vinhedos, e sou só cevada. A gelada com espuma!
Dormir agasalhada é outro prazer. Pijamas pra que te quero! Saudades da infância e do friozinho da noite com os camisolões de fulôrzinhas costurados por minha mãe. Ficar enroscada até mais tarde na cama. O corpo também me diz que o inverno combina mais com as roupas que tenho e com as novas formas que me habitam. Mangas compridas, casaquetos, flanelas, me sinto tão confortável! Desde sempre gostei das roupas soltas e com muitos panos. Para as mangas! Meus pobres enganos!
O cheiro de terra molhada. O mar mais revolto. O som da chuva no terraço. As plantas do jardim, saltitantes. Tudo me deixa alegre! Estou realmente na fase outonal. O verão me cansa, me extenua. Muita luz, calor, alvoroços, caranguejos apinhados nas mesas dos bares, som alto, forró. Acho que nós humanos também temos nossas estações. Talvez por isso goste tanto do inverno, ameno, claro!
Ao ver as paisagens de outros lugares fora do verão, sinto tanto prazer na placidez. Ver aquelas cores cinzentas e aveludadas. Cores monocromáticas. Os silêncios. Caminhadas contemplativas com vento frio na espinha. Um caldo verde esfumaçante. Uma sopa de batatas com alho poró. Um Malbec. Tudo ao seu tempo!
Agora, com esses pingos de chuva que estão a cair em João Pessoa, descubro que o meu guarda-roupa é invernal. Não das passarelas, mas do meu inverno ensimesmado. No verão, fico aflita com tanta suadeira. Trabalhar é um tormento. Os alunos reclamam, dormem na sala, o cheiro forte das frituras causa náusea. A quentura dá dor de cabeça, tenho vertigem! Fico mal humorada. Pois o único lugar agradável é no mar, com um coco ou uma cerveja gelada na mão.
Mas o verão é sexy, lá isso é, tudo isso misturado nos dá ponto sem nó na libido. Nos esfogueamos. No inverno, dormir de conchinha e edredom e biscoito – nos faz virar de costas para quem está do lado. Verão – muitos banhos de chuveiro fora de hora, corpos à mostra, peguentos e insaciáveis. Saudades dos meus dias quentes. Dos meus dias mornos. Dos meus dias nus. Dos meus dias...
Hoje, coberta até o pescoço, tento buscar nos sonhos e na imaginação minhas temperaturas térmicas perdidas. E encontro um corpo invernal, abismal, mas vivo. Que pulsa! E ouve os pingos lá fora, no telhado que não é de zinco, mas ferve!
Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora