Minha primeira professora foi Gracilda. Dona Gracilda, por respeito. Não havia descortesia para com a mestra, naqueles anos de civilidade aguçada. Ao contrário, a considerávamos segunda mãe. Chegava alegre à sala de aula. Repositório de garatujas, soletramento, tabuada cantada.

Sempre fui calado, atento, e as petecas ou aviõezinhos de papel não voavam, enquanto a aula estava em andamento. A inesquecível mestra não era de punir. Aconteceu, porém, na ausência de d. Gracilda, o rumorejar de conversas e gritos. A diretora, Dona Adelita Bezerra Cavalcanti adentrou a sala, fez o sermão e comandou quase toda a turma para ficar exposta no corredor de entrada do Grupo Escolar (eu no meio – houvera recebido uma petecada e respondera com outra). Postos em fileiras, ali estávamos a cumprir a pena, quando a querida professora chegou; vinha atrasada devido à chuva volumosa: respingou a sombrinha, nos olhou assustada e entrou no gabinete da Diretoria. Logo fomos liberados.

Quando no recreio, conversando com os colegas, alguns notaram que ela estava chorando, sentado ao birô, a cabeça escondida entre as mãos. Chorava por nós a quem considerava filhos e filhas. Retornando, já sentados, ela recomeçou: a voz embargada, os olhos avermelhados. Disse que era a poeira do giz a que tinha alergia...
Nunca a esquecerei. Tudo veio à tona, ao vasculhar velhos papéis e encontrar minha primeira prova enfeitada com a caligrafia daquela mulher exemplar. Era, justamente, o dia dedicado aos que retiram de nós a venda e mostram a paisagem do conhecimento. Fora eu analfabeto, não estaria escrevendo este texto, com extrema saudade de Dona Gracilda.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista