Minha primeira professora foi Gracilda. Dona Gracilda, por respeito. Não havia descortesia para com a mestra, naqueles anos de civilidade aguçada. Ao contrário, a considerávamos segunda mãe. Chegava alegre à sala de aula. Repositório de garatujas, soletramento, tabuada cantada.
No meu caso, já houvera recebido iniciais instruções de minha tia Aracy. Foi ela quem bordou no saquitel da lancheira branca meu nome em linha vermelha. O alfabeto, quando permaneci como iniciante de classe do hoje chamado ensino fundamental, não me era estranho: faz-se uma redonda forma de xícara e se puxa a perna: letra “a”. A tabuada era fininha, com os algarismos agrupados nas quatro operações. Estas cantadas pelos alunos sob a batuta da Profa. Gracilda. Sobre o quadro negro ela escorregava o giz branco, escrevendo palavras, letras, números que achávamos parecidos com formigas ou insetos bem desenhados. Tudo muito excitante, espécie de novo mundo trazido pela mão bonita, as unhas esmaltadas, sorriso nos lábios finos.
Sempre fui calado, atento, e as petecas ou aviõezinhos de papel não voavam, enquanto a aula estava em andamento. A inesquecível mestra não era de punir. Aconteceu, porém, na ausência de d. Gracilda, o rumorejar de conversas e gritos. A diretora, Dona Adelita Bezerra Cavalcanti adentrou a sala, fez o sermão e comandou quase toda a turma para ficar exposta no corredor de entrada do Grupo Escolar (eu no meio – houvera recebido uma petecada e respondera com outra). Postos em fileiras, ali estávamos a cumprir a pena, quando a querida professora chegou; vinha atrasada devido à chuva volumosa: respingou a sombrinha, nos olhou assustada e entrou no gabinete da Diretoria. Logo fomos liberados.
Quando no recreio, conversando com os colegas, alguns notaram que ela estava chorando, sentado ao birô, a cabeça escondida entre as mãos. Chorava por nós a quem considerava filhos e filhas. Retornando, já sentados, ela recomeçou: a voz embargada, os olhos avermelhados. Disse que era a poeira do giz a que tinha alergia...
Nunca a esquecerei. Tudo veio à tona, ao vasculhar velhos papéis e encontrar minha primeira prova enfeitada com a caligrafia daquela mulher exemplar. Era, justamente, o dia dedicado aos que retiram de nós a venda e mostram a paisagem do conhecimento. Fora eu analfabeto, não estaria escrevendo este texto, com extrema saudade de Dona Gracilda.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista