Assisti, há alguns anos, no Zarinha Centro de Cultura, ao documentário “O Homem que vê no Escuro”, sobre o professor e crítico de cinema João Batista de Brito. O filme tem direção, produção e roteiro do professor e amante do cinema Mirabeau Dias. A exibição contou com seleta plateia de amigos e intelectuais da cidade.

Em seu trabalho, Mirabeau também utilizou o acervo do site “Imagens Amadas”, incluindo 3 cenas marcantes para a transição de épocas/assuntos do homenageado. São cenas antológicas, com a voz de João nos diálogos de filmes, a exemplo de "Desencanto" (1945) e "Janela Indiscreta" (1965). Uma brincadeira jocosa com a voz dele na pessoa de atores, como James Stewart.
Conheci João Batista na minha turma de Letras da UFPB. Como ele mesmo disse, era um aluno tímido, mas já conhecido como autodidata. Naquela classe também estavam o professor de português e escritor Chico Viana e a professora Elisalva Madruga, só para citar algumas pessoas especiais ligadas à literatura. Eu, perdida numa noite suja de verão, encantava-me com as aulas de Virgínius da Gama e Melo e de Zélia Oliveira, mas não tinha a timidez intelectual de João, o arrojo de Chico nem as participações eloquentes de Elisalva. Ficava a ouvir... e apre(e)nder.

João também foi meu professor na pós-graduação, na disciplina de Cinema. Puro deleite. E haja diegese x discurso, contra-plongé, planos, decoupage, Eisenstein, Orson Wells, irmãos Lumière, André Bazin, e "Metrópolis" (1927)! Para fechar o ciclo de estudos JBB, assisti ainda a algumas palestras nos eventos culturais da cidade, e mais uma aula especial organizada pela professora Vilani Sousa, com direito a settings e trilhas.
Assistir ao documentário de Mirabeau Dias sobre João foi também um passeio sobre toda essa experiência/memória acadêmica e sobre a minha própria estrada de cinéfila. Passando por "Ben Hur" (1959) e "Tarzan" (1932-1971), no Cine Rex, "A Noviça Rebelde" (1965) no Plaza, "A Ponte do Rio Kwai" (1967) e depois a Nouvelle Vague no Municipal.

Na minha ousadia, aceitei fazer uma leitura dramática do seu conto: “Um beijo é só um beijo” (Casablanca), e “Lanchonete” (A Rosa Púrpura do Cairo), 1985, ao lado do ator Waldemar Solha (olha minha petulância!), justo por ocasião da palestra do filósofo Edgar Morin, na UFPB.E como comprei a ideia, mais que atrevidamente, fui vestida com um longo preto de cetim e batom rouge carmin, para viver meus 15 minutos de Rita Hayworth...

No documentário, outra aula. Dessa vez, intercalada pelas perguntas perspicazes dos igualmente críticos: Luis Mousinho (meu colega de UFPB e também aluno das poesias com Bachelard e outros filósofos), Astier Basilio e Renato Félix (de quem me lembro ainda nos corredores do curso de comunicação). Mirabeau também participou das entrevistas, entrando assim no lado mais subjetivo da vida do crítico, conseguindo a proeza de pôr João para ler um conto seu, mostrar sua faceta desenhista, mesclando cenas dos seus desenhos com os rostos de familiares.
Ouvindo os relatos do homenageado sobre sua trajetória, descobrindo o escurinho do cinema em Jaguaribe, e suas leituras de jornais sobre filmes, não há como não lembrar da nossa vida de adolescente e concordar com João, quando ele diz que “simplesmente íamos ao cinema”. Cinema barato, Cinema de Arte, estávamos sempre no cinema. Para encontros, namoros, ou apenas nos extasiarmos e cantarolarmos com "Um Homem, Uma Mulher" (1966).
Na produção de Mirabeau, João também conta como a crítica surgiu na sua vida, a predileção pelo cinema americano e o desafio de juntar a linearidade desta linha com os outros tantos olhares do cinema europeu, e mais recentemente com os de outros mundos, como o asiático.

Sou antiga leitora de João nos blogs, no jornal Contraponto, e, assistindo ao filme, senti uma angústia já compartilhada com algumas amigas, como Genilda Azeredo, professora de Literatura e Cinema da UFPB: a agonia de não ter visto todos aqueles filmes citados. Filmes que a geração anterior à minha teve o privilégio de vivenciar, mesmo que demorasse meses entre o lançamento e a exibição nas praças locais. Precisaria de 7 vidas e 7 noites para dar conta de acompanhar a vida no cinema, e, desde já, cobro aos dois um curso sobre a História do Cinema, com direito a filmes, discussões e Clube do Filme.
Sempre me rendo às pessoas que conseguem, por meio da força, da intuição e dos estudos, chegar lá. Lá no lugar da competência, do talento e da admiração.
Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora