“Deixe tudo, menos a hidroginástica!” Foi a recomendação do traumatologista, especializado em coluna, para o cronista Carlos Romero, após uma cirurgia de estenose lombar aguda. Já com quase 90, ele fora acometido subitamente de uma dor que “descia para as pernas” impedindo-o de dar sequer um passo.
Havíamos desfrutado um dia inteiro de andanças pelas vielas de Jerusalém, ele meio decepcionado com o comércio que invadiu a via sacra e a pouca reverência da maioria da população local a Jesus, já sentia algum desconforto. Mesmo assim, não perdia o humor. Sentou-se na beira da pedra em que supostamente deitaram o corpo do Mestre, apalpou-a e passou a mão na lombar, rindo-nos de soslaio: “quem sabe as energias aqui depositadas não aliviam essa dorzinha”. No dia seguinte, no passeio ao Mar Morto, ainda teve coragem de tomar banho, lambuzar-se com a decantada lama curativa, esfregando-a nas costas, sempre temperando fé com bom humor.
Eis que na manhã seguinte, já em Tel Aviv, a boadrasta Alaurinda nos liga do quarto do hotel e diz: “Venham aqui, pois Carlos não consegue andar”. Feitos os exames, no hospital, veio o diagnóstico: estenose lombar aguda. Um nervinho que se comprime pelos discos e causa muita dor. A sorte é que, deitado ou sentado, ele nada sentia. Daí, telefonamos para o neurologista Ronald Farias, no Brasil, que nos tranquilizou informando que o caso não era urgente.
Como ainda faltavam 3 dias em Londres, embarcamos para a Inglaterra, onde aproveitamos mais do que se ele estivesse andando. Sem cerimônia, aceitou a sugestão de alugarmos uma cadeira de rodas, ideia da qual nunca mais nos afastamos.
Fomos a teatros, óperas, museus, livrarias, caminhávamos de uma ponte a outra pelas margens do Tâmisa e ele dizendo: “se eu soubesse que era tão bom, já teria alugado há mais tempo. E terminamos comprando uma cadeira de rodas própria que nos acompanhou em outras viagens. Que felicidade!
Quando regressamos, o prognóstico era de cirurgia. Algo que amedronta pelo tabu de que intervenção em coluna é medida a se considerar como a última das hipóteses. No caso dele foi a primeira, felizmente bem sucedida. Em 15 dias papai estava andando novamente. E sem dor alguma.
Vale ressaltar o importante papel da fisioterapia e da atividade física. Por isso, Alexandre Machado, seu sobrinho, médico de coluna em Recife, recomendou: “Diga a tio Carlos que pode deixar tudo, menos a hidroginástica”.
E foram quase sete anos, duas vezes por semana, sob os carinhosos cuidados da instrutora Catarina Guimarães, lá na Centralfisio. É verdade que, vez por outra, a preguiça de ir tentava-o a me enrolar dizendo pouco antes da aula: “eu acho que estou meio febril, sinta meu pescoço”. Eu já punha a mão sorrindo: “vamos colocar o termômetro”.
E a temperatura sempre estava normal... Assim, desfrutamos anos de saúde e movimento, sob a atenção dedicada de Catarina, ao som de Boccherini, Saint-Saens, Beethoven, Tchaikovsky, tocado na caixinha portátil que colocávamos na borda da piscina de águas mornas.
No início, integramos uma turma com amigos. Sheila Turczinsky, sua mãe Maria, Alecy Mendonça, Suely Urquiza, Zelinha Veloso, entre outros. Éramos benditos entre as mulheres. Depois, quando optamos pelo turno da manhã, ele com mais de 90, a turma se resumiu a apenas nós três. Para falar a verdade, em todo esse período eu o acompanhei muito mais por ele do que por mim, ainda que me beneficiasse das vantagens terapêuticas de uma ginástica sem impacto, segura e com as vantagens do calor da água.
Nos últimos anos, após a sessão, eu lhe ajudava na ducha, depois enxugava seu corpo e, quando chegava nos pés, ele sentado, passava a mão na minha cabeça e dizia: “obrigado”.
E eu brincava: “Papai, se eu tivesse os cabelos longos como o da pecadora que ungiu os pés de Jesus, eu enxugaria os seus da mesma forma, com perfume. E ríamos de felicidade.
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música