O slogan da pandemia de Corona Vírus em 2020 no mundo inteiro é Stay at home, traduzindo para o nosso português temos o Fique em Casa, que na cobertura da televisão aparece estampado em diversas línguas: restez à la Maison (francês), stai a casa (italiano), quedarse en casa (espanhol), zu Hause bleiben (alemão).
Do ponto de vista da pandemia, autoridades governamentais e parte da população dos países atingidos têm dado mostra que entenderam o que isso significa: apenas serviços essenciais em funcionamento, escolas fechadas e home office para profissões e atividades que assim podem ser realizadas.
Nesse processo de isolamento social, temos visto de tudo um pouco: ações de solidariedade que descobrem novas formas de servir e assistir os necessitados de sempre e aqueles que vivam do seu trabalho com ganho diário, mas que agora estão impedidos de circular, e os que cujos postos de trabalho fecharam e nem reabrirão quando a economia se restabelecer; novas formas de trabalho ou trabalhos feitos de novas formas; restabelecimento da crença na ciência e na imprensa; lives para temas dos mais diversos campos da arte, da cultura e da religião, da ciência. Notícias informam que com grande parte da população em casa há lamentavelmente um incremento da dependência alcoólica, abusos sexuais, violência contra mulher e vulneráveis, assim como permanecem crimes, furtos e assaltos.
Saindo da lista acima mencionada, resta uma pergunta para quem não está nela incurso: o que estamos fazendo com o tempo em que estamos em casa? Informações que circulam pelas redes sociais e pela mídia falam em pessoas ociosas e mais ansiosas. Há sugestões para que se faça aquela arrumação que ficava sempre aguardando um tempo livre que não existia: organização de armários, álbum de fotos, jardinagem, etc.
O que parece ter sido esquecido é a simbologia do ficar em casa quando correlacionada com a mensagem de Jesus. Quando lemos as parábolas, vemos que um símbolo fundamental e recorrente é a CASA. Lembremos da parábola do filho pródigo, narrada por Lucas (15:10-32). Nela, o pai e os dois filhos estão em casa, isto é em harmonia, até que o mais novo pede a sua parte na herança e demanda o mundo, ficando em desarmonia que só é superada quando este faz as pazes consigo mesmo e volta à casa do pai. A parábola da casa sobre a rocha (Mat 7:24-27) enseja-nos duas imagens de casa: uma com harmonia, pois edificada sobre a rocha (valores), e outra sem harmonia, visto que fora edificada sobre a areia. A apresentação da noção dos mundos habitados indica as muitas moradas na casa do pai (Jo: 14:2). Na parábola dos trabalhadores da última hora (Mat 20:1-16), o dono de da vinha (chácara) assalariava trabalhadores para nela trabalhar e enquanto aí labutavam estavam em paz, a disputa se dá pelo mau olho (sic) sobre o salário. Todas essas imagens corroboram a ideia de casa como harmonia e trabalho.
Voltando ao tema o isolamento social, parece-nos muito curioso que do ponto de vista simbólico a pandemia tenha nos chamado para dentro de nossa casa. Se compararmos com a 2ª guerra mundial ou as diásporas
Reclusão não é sinônimo de tristeza ou de inação. Para a sociologia, pode ser entendida como período de ócio criativorecentes de vários povos, concluiremos que somos “bem-aventurados”: não há bombas explodindo, não precisamos sair às pressas a pé ou enfrentando estradas lotadas para destinos incertos. Parece-nos também curioso e simbólico que a pandemia tenha nos alertado para o autocuidado com higiene e limpeza dos ambientes assim como para o cuidado com o próximo, seja este um familiar ou um anônimo que está na mesma fila, transita na mesma rua, divide o mesmo espaço na gôndola de um supermercado ou farmácia.
Casa e cuidado são dois lados da mesma moeda no que diz respeito à harmonia que é condição íntima que não se improvisa.
Pensando nisto, perguntamo-nos sobre em que harmonia estamos vivendo esses dias. Notícias descrevem uma vida intensa nas redes sociais que vão desde aquelas que (re)criam os significados sobre estar longe e ficar perto, comprar e consumir, olhar e ver, estar dentro e ficar fora. Algumas mais raras questionam se ficando em casa devemos ou podemos manter a mesma rotina que tínhamos antes da quarentena ou que rotina podemos ter na quarentena.
Fato é que se ficarmos em casa nesse período, mas não nos ocuparmos conosco, essa quarentena poderá ser comparada mesmo a isolamento, mas não a reclusão, pois, isolados podemos olhar para fora sofrendo por não estarmos lá, mas reclusos optamos por não estar lá por que preferimos ficar cá, conosco, focados no auto encontro.
Reclusão não é sinônimo de tristeza ou de inação. Para a sociologia, pode ser entendida como período de ócio criativo. Para a psicologia, é sinônimo de deserto. E é no deserto que se dão os encontros mais memoráveis. Jesus por lá ficou quarenta dias aprofundando sua conexão com o divino, Pedro se transformou no trabalhador grandioso no “deserto” de alguns dias após a crucificação e Paulo se recompôs no deserto de Palmira, na companhia de Prisca e Áquila, em contato com o trabalho da tapeçaria.
Por isso, nesses dias de isolamento social e congestionamento nas redes sociais, fiquemos em casa conosco mesmo, fiquemos com os nossos, recebemos Jesus no lar. Aproveitemos para aquela faxina interior sugerida por Joanna de Angelis/Divaldo Franco no texto Reciclagem do Subconsciente, livro Auto descobrimento. No mais, Stay at home, stay with yourself; rester à la maison, rester avec soi; stai a casa, stai con te stesso; quédate en casa, quédate contigo mismo, Bleib zu Hause, bleib bei dir.
Denise Lino é pós-doutora em educação e professora