Havia um potrinho na fazendola de tia Moça. Como se diz hoje, no linguajar consumista, era meu sonho, minha grande vontade, correr pelas veredas montado naquele animal gracioso, enfeitado em manchas brancas sobre o pêlo marrom.
Ficava olhando o seu trotear elegante, ainda ao lado da mãe, uma égua robusta. Tia Moça, já velhinha, saía da cama, insistente e teimosa, tocando com a bengala, suas idas pela casa cortada de corredores.
Quartos vagos, sombrios, cheios de lendas arrepiantes. Numa das vezes, menino ainda, eu ia a quatro pés sobre o chão forrado de largos tijolos. Ela quase cega, tocou-me, fortemente, com o apoio de pau, pensando ser o cachorro "Destemido". Caí no pranto e Maria suspendeu o pilão em que os grãos de café eram pisados, correu em meu socorro, consolando-me:
— “Se chorar, não ganha o cavalinho”.
Calei e parei as lágrimas. O potrinho era tudo para mim, em espaçadas idas à fazenda.
Certa feita, o filho de um dos vizinhos montou sobre ele e se exibiu pelas cercanias, como que zombando de minha íntima vontade. Não suportei. Gritei alto, revoltado, entrei ao quarto (camarinha) e enfiei a cara no travesseiro. Refuguei o almoço e, somente ao anoitecer, deixei o pequeno exílio para escutar, após a ceia larga, as conversas e histórias de mato contadas na sala. Ficava eu petrificado, os olhos fixos, vendo desfilar criaturas e cenários saídos dos lábios deles. Momento delicioso. Somente eu percebia o relincho do potrinho, como se estivesse me saudando. Linguagem de afeto entre nós. Ele e a mãe encurralados. Eu com vontade de ganhar a escuridão da noite e sumir com o animalzinho para o oco do mundo.
Tocavam violas, havia repentes, recitais por Quinina. Tia Moça em profundo sono. Maria sentada a meu lado. Era cúmplice de meu desejo pelo potrinho que chamavam de "Estrela da Manhã".
Pedi o cavalinho de presente à dona da fazenda, quando, sentida, me veio solicitar perdão pela cacetada. Apenas sorriu. Passou o tempo. Ela se foi. A fazenda caiu noutras mãos. "Estrela da Manhã" foi furtado, já crescido. Lindo exemplar de animal. Nunca mais o vi.
Ainda hoje, após longo tempo, ele pasta nos prados de minha alma.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista