Falava-se em costurar a cortina. Havia uma costureira, D. Sandy, famosa pelas peças cosidas e realçadas, verdadeiras obras artísticas; a modista estivera a medir, traçado um projeto do adorno: prometera ficar a cortina pronta em menos de duas semanas.
O tecido era tule. Bonitas ficariam rebarbas de damasco, uns penduricalhos nos contornos superiores. Tanto tempo Eunice insistira com o marido! Alfonso nem aí. Virava as estações de rádio e levantava os pés, as mãos, a vida, urrava, quebrava o copo de cerveja, só faltava voar com o gol entalado na garganta. Foi luta liberar o dinheiro, a fim de ser comprado o material e pagar o serviço de D. Sandy.
Eunice folheava revistas, magazines especializados. “Pois que Alfonso queira ou não, mandarei confeccionar meu sonho em pano” – Eunice pigarreava, soprava, quase a confrontar-se com o marido que se opunha a tal bobagem.
Melhor comprar uma tevê ou outro rádio mais potente. "Coisa de mulher, enfeite". Saía a mexer as cordas do bandolim ou assobiar para o canário. Não ligava as invencionices da mulher que sempre cuidou de mudar os móveis, comprar jarros e recheá-los de flores artificiais, quando poderia retirar do jardim as lindas rosas e sorrisos-de-maria. Eunice gostava de gastar dinheiro. Ele maltratava as cordas do bandolim, descarregando seu protesto.
No dia em que a cortina foi instalada, ofereceram um coquetel. Convidados, uma inauguração memorável. Eunice risonha e feliz.
Passado o tempo, foi sendo esquecida a cortina festejada. A poeira se intrometendo, o tecido se desgastando, até que, numa noite, Eunice cutucou o marido: “Parece que tem visagem mexendo na cortina!...”. Alfonso se levantou. Acendeu a luz. Uma ratazana escorregava pelo pano rasgado. O homem quase cai, talvez ameaçado por uma apoplexia.
Voltou calado ao quarto. Dava para escutar o chiado de outros ratos. Eunice mordia o travesseiro paralisada. “Estão na farra” – resmungou a mulher. A noite em claro. A cortina fora de moda.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista