Não, não era por acaso que se resolveu pela rejeição daquela nova moradora da rua. Uns a achavam um saco de impropérios, uma mulherzinha ba...

Vizinha esnobe

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Não, não era por acaso que se resolveu pela rejeição daquela nova moradora da rua. Uns a achavam um saco de impropérios, uma mulherzinha banal que não iria trazer para ninguém uma convivência prazerosa. Era uma mulher nada serena, advinda de ricas procedências sulistas, neta de algum ricaço empresário da Pauliceia.

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Desvairada era ela, entendiam-se todos entre uma conversa e outra, ocasiões corriqueiras, em que se juntam faladeiras contumazes, homens que assentem em palavras comedidas tudo quanto se atribui a quem os inquietam. Bem que se dizia ao dono da casa grande de portão, jardim espalhado, área para caber quase duas famílias: cuidado com a nova inquilina.

Antes, morara um casal, filhos, netos, bisnetos, anos contados na extensão de uma boa relação de amizade com todos. Uns pacatos e educados ocupantes da moradia. Hoje, era até um pecado, estava chegando de mala e cuia aquela considerada esnobe fidalguia suposta incapaz de conversas, cortesias, cumprimentos, bons dias. O prenúncio não era de bom tempo, mas de rajadas fortes.

Mas como uma mulher poderia revolucionar toda uma comunidade? Ela destilava uma energia negativa, era sarcástica por natureza, vestia peludas modas, se enfiava em mutismos e passava puxando a cadela fofa erguia a testa para cima, soltava o corpo em redemoinhos como se fora uma adolescente. Passava de todos os cabos da boa esperança, mas jamais admitiria isso, posto se haver incrustrado em sua personalidade a perene mocidade.

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Empinada a seu gosto extravagante recebeu a visita de Aderbal, homem sensato de compleição revestida da mais santa humildade, que foi conversar com a dita sulista novata do pedaço. Meio acanhado, resguardado em sua timidez, gaguejando um linguajar de sotaque nordestino, foi mal recebido pela esnobe. Não lhe ofereceu nem uma cadeira. Diga. E ele disse.
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Ela com aquela enfatuada disposição falou, em tom sarcástico, que não estava ali para receber conselhos, nem mudar sua personalidade por conta desses rudes nortistas (não distinguia entre nortistas e nordestinos). Fora por causa de um acontecimento muito delicado que viera se esconder nestas plagas, longe dos seus perseguidores, para o bem de sua paz. Respondeu de forma reticente a Aderbal. Este não ousou se aprofundar mais no assunto. Mais alguma coisa, senhor? Ele saiu de fininho com uma mosca pousada na orelha, pensando mil e uma hipóteses. Uma mulher bem formosa, de móveis finos, sair de sua terra natal para vir morar numa periferia paupérrima e sucumbida, causava a maior das estranhezas. Os vizinhos preferiram dar um banho de gelo na nova moradora. Para bem de todos.

Alguns dias depois, notaram que uns policiais federais chegaram à procura da mulher esnobe. Ela foi presa em flagrante, quando ajeitava a perfeita peruca e escolhia o vestido mais ousado para sair. Pensava ser o chato de seu Aderbal de novo, pois reconheceu a voz do homem que estivera lá. Abriu a porta com raiva, e ao invés do pacato homem, entraram os policiais. Um deles era filho do manso seu Aderbal.

E assim, nas janelas da vizinhança curiosa, olhares ocultos de prazer acompanharam o seu trajeto em direção à viatura...


José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista

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