Um grande escritor nos dá muitas lições. Não importa quando e onde ele escreveu, pois a atemporalidade e a absoluta ausência de limitações geográficas são a característica dos eternos. Os três primeiros trechos Guerra e Paz, de Tosltói, que apresentamos abaixo, são ensinamentos que podem e devem ser seguidos hoje, sem tirar nem pôr, tal a sua atualidade e a sua necessidade. Lições que entram em concordância com o que encontramos em Os Miseráveis, de Victor Hugo, outra obra monumental de outro gigante da literatura:
“Toda reforma violenta merece reprovação, porque pouco irá remediar o mal enquanto as pessoas permanecerem como são, e porque a sabedoria não precisa de violência.” (Tomo II Terceira Parte, Capítulo VII)
“Nenhuma verdade se apresenta da mesma forma para duas pessoas.” (id., ibid.)
“A regeneração e a purificação de si mesmo, é o único objetivo pelo qual nós podemos lutar sempre, independentemente de todas as circunstâncias.” (Tomo II, Terceira Parte, Capítulo VIII)
“Nenhuma verdade se apresenta da mesma forma para duas pessoas.” (id., ibid.)
“A regeneração e a purificação de si mesmo, é o único objetivo pelo qual nós podemos lutar sempre, independentemente de todas as circunstâncias.” (Tomo II, Terceira Parte, Capítulo VIII)
A ilusão teima em não nos abandonar, seduzindo-nos com os seus ornamentos e aparatosSem nos darmos conta de que essência somos feitos, parecemos aquele tio cônego de Brás Cubas que, incapaz de enxergar a parte substancial da Igreja, via dela apenas o seu exterior. Vindos “antes da sacristia do que do altar” (Capítulo XI – “O Menino é Pai do Homem”), é-nos bastante que tenhamos umas bandeiras, uniformes, gritos de guerra, e a reforma do mundo está feita. A minha reforma, contudo, pode esperar, porque a do mundo é mais urgente. É a melifluidade da ilusão.
O último trecho a ser apresentado é ainda mais importante e mais atual, pois, embora vivamos numa época em que a informação encontra-se disponível aos borbotões, mendigando ser transformada em conhecimento, deixamo-nos enganar estupidamente pelo palavreado fácil e borboleteante, que não exige qualquer ação, mas é rápido na acusação de nosso semelhante. A razão disso pode ser explicada na alegoria de uma fábula de Fedro: Júpiter colocou ao redor do nosso pescoço duas sacolas; a que contém os vícios dos outros estão sobre o nosso peito; a que contém os nossos próprios vícios estão às nossas costas. Assim, somos compelidos a ver sempre os vícios alheios e condenar-lhes, por exemplo, o espírito de manada; jamais tomamos conhecimento de que podemos estar errados e que adoramos fazer parte de um rebanho qualquer e que, ao menor chamamento, somos a ele levados pela ilusão de que a grei de que eu faço parte é a grei dos puros e dos ungidos. Todos os demais estão danados per omnia saecula. É a ilusão que teima em não nos abandonar, seduzindo-nos com os seus ornamentos e aparatos, fazendo-nos viver dela e para ela, e nela, apenas nela, encontrarmos a verdade que completa a nossa frustração. Não atinamos para o fato de que o aparato diz apenas o que eu pareço ser; quem diz o que eu sou é o meu proceder.
Convido todos à leitura do último trecho de Tolstói. Sugiro que se troque, como eu costumo fazer, em algumas postagens, o nome de Hélène Vassílievna Bezúkhov pelo do Sobrenatural de Almeida. Fazendo a troca ou não, ainda assim teremos um retrato de nossa sociedade atual:
“Ou porque o necessário para presidir um salão fosse justamente a tolice, ou porque os próprios iludidos tinham um prazer na sua ilusão, a ilusão não era revelada, e a reputação d’une femme charmante et spirituelle [mulher encantadora e espirituosa, em francês, no original] se fixara de modo tão inexorável em Hélène Vassílievna Bezúkhova que ela podia dizer as maiores banalidades e tolices, que todos se maravilhavam com cada uma de suas palavras e descobriam nelas um sentido profundo, do qual a própria Hélène nem desconfiava.” (Tomo II, Terceira Parte, Capítulo IX)
Segue a fábula de Fedro, com tradução nossa, em heptassílabos duplos:
De Vitiis Hominum
Peras imposuit Iuppiter nobis duas:
propriis repletam uitiis post tergum dedit,
alienis ante pectus suspendit gravem.
Hac re uidere nostra mala non possumus;
alii simul delinquunt, censores sumus.
Peras imposuit Iuppiter nobis duas:
propriis repletam uitiis post tergum dedit,
alienis ante pectus suspendit gravem.
Hac re uidere nostra mala non possumus;
alii simul delinquunt, censores sumus.
Dos Vícios dos Homens
Jove, um dia, sobre nós, colocou duas sacolas:
Com os nossos próprios vícios, uma cheia a nossas costas;
outra com vícios alheios, colocou em nosso peito.
A razão aí se encontra de não vermos nossos males;
mas se o outro é que erra, em censores nos tornamos.
Jove, um dia, sobre nós, colocou duas sacolas:
Com os nossos próprios vícios, uma cheia a nossas costas;
outra com vícios alheios, colocou em nosso peito.
A razão aí se encontra de não vermos nossos males;
mas se o outro é que erra, em censores nos tornamos.
Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL