Ainda ontem era janeiro, um pouco antes eu completava vinte anos, há alguns dias, estávamos nós dois andando por ruas conhecidas, de mãos dadas.
Hoje, vejo que o tempo mentiu, que não é janeiro, que meus vinte anos se transformaram em muitos números mais e que você passeia nas calçadas do céu.
Tranquila e sábia, aguardo o rumo que a vida seguirá. Não me importam os riscos que possa correr, nem a velhice que se aproxima, nem que no futuro eu me transforme numa fotografia risonha, exposta num porta-retratos azul.
O tempo que mente, me enxerga enfastiada. Não testa minha energia, não ouve meu riso solto, não acredita que eu consiga nadar contra a corrente e duvida que eu tenha força para subir montanhas e lutar com o vento.
Confesso que por vezes, me vem aquele medo profundo de que não existe mais nada para viver, que já esgotei a jornada. Então, bebo um copo de água, me olho no espelho, e brava, pergunto para mim: você vai se deixar acabar?
É quando lembro que gosto de dançar, que preciso rever Noronha, que ainda não fui a Cartagena, que devo escrever outro livro, que ainda existem praias inexploradas para desenhar meus pés e que desejo sentir o coração agitar novamente em alvoroço.
Tempo mentiroso, seu transitar por horas, dias e anos, não mudará minha felicidade, essa que foi trazida pela liberdade, que ignora as interrogações, que multiplica minha percepção para as coisas simples, que me faz maior, mais solta e essencialmente amorosa com a vida.
Cristina Lugão Porcaro é bacharela em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora