Haveria um padrão de formosura nato, consciente ou inconscientemente consolidado no gosto da maioria das pessoas? Parece que sim, embora essa tendência tenha sofrido variações ao longo da história.
O conceito de beleza feminina é um exemplo de que o senso de estética evolui com a humanidade. Da esguia Nefertiti às madonas renascentistas, pintadas, esculpidas e espalhadas pelos museus do mundo é notória a diversidade que protagonizou símbolos de graça e sensualidade. Os homens não variaram tanto, mantidos esbeltos e bem talhados pela maioria dos artistas, receberam do modelo grego o exemplo de perfeição, sempre esguios, com rostos angulosos, narizes longamente afilados e bocas bem desenhadas.
E a indústria cinematográfica terminou por fabricar um arquétipo bem ao gosto do marketing esteticista, hoje discutido e repaginado com os traços da riqueza étnica, quando se descobriu tanta gente bonita, bem distante da hegemonia hollywoodiana.
Assim, os padrões estéticos foram desejados além dos limites e paradigmas pré-estabelecidos, até como forma de vencer os condenáveis preconceitos e discriminação lançando um olhar livre e apurado capaz de descobrir e apreciar a fisionomia de qualquer origem.
Deveríamos ser educados para apreciar com o mesmo encanto e admiração a variedade biológica. De homens a mulheres, velhos ou jovens, de aranhas a beija-flores, lêmures ou coelhos. E também induzidos a olhar a velhice com a mesma ternura que vemos um bebê; contemplar rugas e cabelos brancos com a poesia que há nas folhas secas e douradas, sejam das castanholas de Tambaú ou dos plátanos de Paris.
Mas, não. Fomos influenciados para renegar os efeitos da idade, rejeitar a naturalidade da transformação fisionômica a ponto de desprezar os mais velhos e a sua sabedoria. E muitos se veem obrigados a lutar contra o tempo, na busca pela artificialidade dos bisturis, que temporariamente lhes devolve o protótipo do “belo” carimbado no subconsciente da humanidade ao longo dos séculos.
Entretanto, não se deve censurar os que procuram a felicidade nas aparências, nem menosprezar a felicidade vivida na ilusão do efêmero, pois, por mais curta que seja, valeu a pena. Mesmo que, cedo ou tarde, essa ilusão possa emergir à luz de uma realidade que se quis adiada.
Esse tema, que me rondou os pensamentos, faz lembrar da beleza de minha mãe, que não era apenas de formas, mas sobretudo interior. Uma beleza de alma. Essa jamais envelhece ou perde o viço. Contudo, quiçá influenciada por este padrão que se impôs ao gosto humano, e por amigas contempladas com cirurgias plásticas bem sucedidas, ela chegou a considerar esta possibilidade. Mas não foi preciso. Partiu antes da premência de tal necessidade, pois continuou bela até os últimos dias de sua encarnação. Mesmo com a flacidez da pele e a expressão marcada pelo tempo, o brilho interior faustosamente se sobrepunha a qualquer artifício cosmético ou cirúrgico.
Certo dia, nos meus vinte e poucos anos, ao folhear uma revista da época, me deparei com uma matéria sobre os 60 anos de Ingrid Bergman. Lá estava ela, belíssima como nunca, numa foto enorme, em página dupla, sexagenariamente deslumbrante. Levei a revista aberta, na sala onde mamãe estava, cheguei por trás da poltrona, e estampei-lhe a bela imagem: “Está vendo que cada idade tem a sua beleza? Acha que este rosto precisa de uma plástica?”. E ela respondeu sorrindo: “Não, esse não”.
E não pensou mais nisso, tampouco precisou. O destino ajudou-a a partir linda, como sempre foi, de corpo e alma, e mais nova que Ingrid. Mas convicta, definitivamente, de que o belo tem muitas formas. Em qualquer idade, de qualquer cor, de qualquer origem, basta que venha de dentro e não se afaste do amor.
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música