Os plátanos vivem séculos. E há séculos embelezam o mundo. Solenes, ornamentais, margeiam memoráveis boulevards, bordejam praças e parques monumentais, marcam e simbolizam paisagens que definem com singularidade a beleza de cada estação.
Do brilho intenso e verdejante, suas folhas se amarelam, douram-se, enferrujam-se e caem pelo chão atapetado, ensinando-nos sobre os caminhos da vida e do tempo. Cada tom, cada fase tem sua graça e em todas se impõem na variedade que assumem durante anos a fim.
Na Inglaterra, os plátanos inspiraram Händel a compor uma das árias de ópera mais apreciadas pelos amantes da Música, estreada em Londres há quase 300 anos, ambientada entre a Pérsia e a Grécia de 500 anos antes de Cristo. Na cena que abre o drama, a canção “Ombra mai fu", que ficou conhecida como “Largo de Händel”, o rei persa, austero e dominador, recompõe-se de seus conflitos ambiciosos à sombra de um belo plátano, exaltando o amor e dirigindo-lhe simbolicamente toda sua admiração.
Embora a árvore figure como metáfora do amor apaixonado, a escolha é bem apropriada por se tratar de espécie presente e decantada em muitas partes do mundo. O libreto de “Serse” (Xerxes) diversifica-se em simbólicas releituras, homenageando a paixão humana como “Cântico dos cânticos”, em várias tonalidades. Talvez “Ombra mai fu” seja uma das árias transcritas com maior número de variações, cantadas e instrumentadas em diversos timbres e registros.
Para nós, a obra tem significado mais que especial, por se referir a uma das favoritas árvores de Carlos Romero, admirada e referenciada em crônicas de vida e viagem. Com que embevecimento ele as olhava quando passeávamos pelas alamedas de cidades europeias, ressaltando-lhes as mensagens que delas implicitamente exalavam sobre a transitoriedade, efemeridade e mudanças a que estamos sujeitos!... Ora verdes, ora amarelados, depenando-se no outono e completamente secos no inverno, os plátanos guardam o simbolismo que talvez tenha inspirado Händel na sua ode às virtudes do amor.
O cronista se contagiava tanto com a poesia das folhas secas, a cobrir espessamente o passeio, que chegava a colhê-las, beijá-las, pedir fotos, e trazer muitas delas dentro dos bolsos, dos livros, que depois viravam marcadores de páginas e enfeitavam prateleiras de sua biblioteca.
E terminaram emolduradas em quadros que hoje retratam suas doces lembranças, nas paredes do gabinete onde tanto escreveu, leu, inspirou-se, ouvindo largos e cantatas eternizados no amor de Serse. Tão intenso como sua inesquecível paixão pela vida e pela natureza.
...Germano Romero é arquiteto e bacharel em música