Em 1979 instalou-se uma filial da Livro 7, na Visconde de Pelotas, vizinha ao prédio da Associação Paraibana de Imprensa. A matriz da mencionada livraria, que revolucionou o mercado livreiro no Brasil, ficava no Recife. Era meu ponto predileto. Certa vez vi um livro denominado História da Loucura, de Michel Foucault, autor ainda praticamente desconhecido no Brasil, sobretudo na Paraíba.
Comprei-o, li e, confesso, não entendi nada. Na redação do jornal em que trabalhava mostrei aos intelectuais, marxistas empedernidos de discurso. O menor nome que levei foi de “alienado”. Algum tempo depois adquiri Vigiar e Punir, A Arqueologia do Poder e Microfísica do Poder, todos de Foucault.
Daí percebi o vanguardismo de Foucault que, dentro dos seus denominados projetos arqueológico e genealógico, desloca o olhar da estrutura dos macros poderes, constituídos pelo poder estatal, para os micropoderes desenvolvidos nas relações sociais cotidianas, por intermédio de saberes e fazeres.
A leitura de Vigiar e Punir incentivou-me a fazer pós-graduações estudando e refletindo sobre a questão carcerária na Paraíba, sendo o pioneiro neste tipo de pesquisa na UFPB. Fui alvo até de gozações. Quase sou agredido num debate, em 2003, quando afirmei que o crime era organizado a partir da vivência do cárcere neste Estado. O tempo mostrou que eu estava certo.
Percorri todos os presídios paraibanos e algumas cadeias, entrevistando apenados. Vi o que significa poder paralelo, a ordem ao avesso e que o ser humano se adapta a qualquer situação. Um dos entrevistados falou-me: - Aqui tem de tudo! Gente boa e gente ruim.
No início, presumia que o cárcere era permeado unicamente pelo choro e pelo desespero. Surpreendi-me em ver “descontração”, “alegria” e “brincadeiras”. O ambiente é barulhento. Indagando a um agente penitenciário que estudou comigo, no antigo Científico, o mesmo me falou: - Preso é que nem menino. Se está quieto está armando... fazendo arte!
Observei uma ordem rígida concretizada em três discursos: Um para as autoridades, outro para os familiares e um terceiro entre os próprios apenados. Foi o que denominei de “metacódigos do crime”. Fiz alguns favores, sobretudo júris. Um, altamente periculoso, pede-me um óculo e uma Bíblia: - Agora eu sou crente, doutor!
Tendo adquirido confiança em mim, pede-me que requeira uma progressão de regime o que foi concedido por direito. Este passou-me a me chamar de “minha luz”.
Certo dia, quando vou passando por trás do Cassino da Lagoa encontro com o mesmo que, alegre, me relata:
- Minha luz, o senhor sabe que eu tenho boa pontaria. Se alguém disser que o senhor tem o bucho grande fale comigo...
Indignei-me e lhe disse umas palavras impublicáveis. O mesmo, cabisbaixo, replicou:
- “Minha Luz, pru senhor é de graça!”
Tempos depois soube que o mesmo tinha sido mandado para o além. Pudera...
Josinaldo Malaquias é doutor em sociologia e jornalista