Sou repórter! Escrevo artigos de “enxerido” como se diz na linguagem corriqueira do senso comum. Acredito que a crise do Jornalismo atualmente deve-se, muito, à falta de repórteres, daqueles que sabem captar o estrépito da vida na fala da rua, desvelando a ontologia do ser social, conforme os versos de Manoel Bandeira sobre o Recife antigo.
O repórter verdadeiro é antropólogo nato, pois aprende a conhecer o homem e conviver intuitivamente com a diversidade. É simples e não tem o pedantismo de uma suposta e inexistente intelectualidade cosmética que, muitas vezes, conforme já constatei, não sabe quando se escreve viagem com “g” ou com “j”.
O maior atributo do repórter, na minha opinião, é a curiosidade inata convergida na capacidade de se encantar com o mundo. Particularmente sou apaixonado pela rua, pelos botecos, pelas feiras livres, pelas barbearias, pelos terreiros de macumba e por todos os lugares onde, conforme o vulgo, “se fala da vida alheia”. Acredito que a reportagem de caráter humano nasce dessa supositícia “bisbilhotice”.
Em Alagoa Grande, minha cidade natal, funcionava o Hospital do SESP, referência em atendimento médico à época. Minha saudosa irmã, Wilma, antes de concluir o curso de Medicina, trabalhou como Auxiliar de Enfermagem no citado nosocômio (ou jargão jornalístico miserável feito o “veio a óbito”).
Quando dava o plantão de 15 às 23 horas eu era obrigado a buscá-la, não que oferecesse segurança – magro que parecia estar de perfil e com 11 anos de idade -, mas para que a mesma não ficasse “falada” vindo só do trabalho.
Adorava quando seu Antonio Barbosa, um velho soldado reformado, estava fazendo a “segurança”, cuja arma era um cacete. Ninguém conhecia Barbosa pelo nome, mas pelo apelido Antoim Cobra Verde, que também gostava da minha presença para contar as suas inúmeras e gostosas histórias. Nunca me cansei daqueles causos repetidos, mas narrados sempre de forma diferente.
Perguntei-lhe porque o chamavam Cobra Verde. Pensei que o mesmo iria se irritar. Foi o contrário. Respirou fundo e falou:
- Olhe, meu filho, eu era soldado na “capitá”. Certa vez fui prender um “grandalhão parrudo” e brabo. Meti-lhe o cacetete e o mesmo quebrou. O “danado” partiu pra cima de mim e, quando estava me dando uma grande surra, meti-lhe o dente até que o dominei. O “bicho” chegou todo mordido na delegacia. O delegado, quando viu, só faltou morrer de rir e disse que a cobra que picava e não matava era cobra verde. Daí o meu apelido!
Antes de emigrar para João Pessoa, há cinquenta anos, fui me despedir de Cobra Verde. Ele ficou triste; eu, também! Quando ia saindo, de cabeça baixa, ele me chamou e me deu um conselho:
- Nunca queira ser soldado de polícia. Se o soldado prende... é ruim. Se solta... é ruim. Se bate... é ruim. Se apanha... o povo diz “ô soldado mole da gota serena”.
Josinaldo Malaquias é doutor em sociologia e jornalista