No caminho da vila do Bujari, na região da Serra de Cuité, havia uma casa bem caiada, de três varandas com piso de tijolo e esteios de aroeira. Era agradável de ver: ela arrodeada por canteiros de roseiras e plantas medicinais, cerquinha de ripa para amparar dos bichos, frondosas jaqueiras com sombra depois do meio dia e terreiro varrido onde se viam dois pavões criados soltos para o encanto de quem por ali passava.

O homem se chamava Eugênio e passava a maior parte do tempo confinado na parte térrea da torre - o quarto de estudo e pesquisas. Debruçado sobre os livros de muitas páginas, descobria os mistérios do universo, e se realmente existia vida para além da terra e terra para além da vida.

Por isso, era conhecido pela alcunha de "professor", mas só por quem admirava seu apego aos livros; e de "Pai Eugênio" por quem, não raro, batia-lhe à porta em busca de alguma dita ou desdita, solução para o mal da mente e do espírito ou alguma previsão de destino.
Dizia-se ter adquirido o dom da vidência depois de uma febre que durou sete dias e sete noites e quase o levou à morte.Certa vez uma mãe, desesperada pelo desaparecimento do filho, subiu os batentes da varanda e entrou de porta adentro, já escuro da noite, para saber do seu paradeiro. A mulher tentava conter o choro enquanto respondia a perguntas como: "se fugiu com bom dinheiro, se levou roupa para muitos dias e se montava uma égua que não fosse ronceira."
Mas a mulher disse: "que nada, que o rapaz tinha fugido no começo da manhã, e foi numa bicicleta velha – se aquilo podia-se chamar de bicicleta, pai Eugênio... só com a roupa do corpo, com a roupa do corpo, imagine só... e sem nenhum recurso de dinheiro ou comida!"
Diante do exposto, Eugênio não precisou recorrer às forças do além iniciando uma sessão de invocação espiritual. Esperou a pobre mulher terminar a ladainha e deu-lhe uma xícara de chá bem doce. Depois disse que fosse para casa, pois o filho, que não tinha ido muito longe, já estava preocupado com ela.

Dizia-se ter adquirido o dom da vidência depois de uma febre que durou sete dias e sete noites e quase o levou à morte. Entre delírios e inconsciência teria visitado entidades que lhe entregaram a missão de, no plano terreno, orientar para o bem e prevenir contra o mal quem lhe batesse à porta. Não cobrava nada por isso, mas agradecia a quem lhe desse o que pudesse em nome de São Jorge. Ele ajudava a alcançar graça e socorria a quem precisasse de saúde, proteção e luz.
As sessões aconteciam num quartinho que ficava nos fundos, do lado oposto da torre, onde a única claridade existente, sem contar a das velas, era a projetada pelas frestas do telhado. Depois de apontar para o banquinho onde o cliente devia se acomodar, acendia as velas postas ao lado do santo na mesinha com toalha branca, esperava um minuto de olhos fechados. Eram as mãos segurando a cabeça, os cotovelos apoiados na mesinha. Nesse instante a respiração mudava de ritmo e sentia pequenos espasmos pelo corpo. Aí entrava em transe e começava a fazer perguntas e revelações. A entonação estranha da voz ajudava a reforçar o mistério da atmosfera adensada pelo cheiro de incenso, pela fumaça das velas. Dava medo de ouvir os avisos de riscos de alguma desgraça iminente.

Eugênio foi sentindo o peso da idade. Veio a canseira das pernas, que piorou com uma queda enquanto descia a escada da torre. Passado aquele dia começou a andar de bengala e só pôde observar o céu da varanda, numa cadeira com forro de palha de junco. Graças às massagens com sebo de carneiro, arranjou algum vigor temporário, e isso também graças aos chás e compressas quentes feitas com as plantas milagrosas do jardim, que continuava bem cuidado, assim como o terreiro, mas agora sem o encanto dos pavões que morreram, um a um, com o intervalo de algumas semanas.
O segredo de todas as coisas reside na natureza, em cada planta germinada, cada verdura colhidaSem mais poder subir as escadas do mirante e sem vista que prestasse para ler os muitos livros que ainda esperavam por ele no quarto de estudo, passava a maior parte do dia dentro de casa ocupado com serviços leves ou do lado nascente do terreiro, onde fez um jirau para cultivar flores, verduras e legumes.
E foi observando o poder surpreendente de renovação da planta em semente e da semente em planta que tomou uma decisão.
A partir dali abandonou o estudo sobre os fenômenos celestes, a origem das coisas e também as sessões com os guias espirituais. Estava convicto:

"E sendo toda criatura uma parte do seu criador, então a vida não podia ter fim nem começo, era uma eterna renovação. Deus era a terra, a semente, a planta, os frutos e a semente outra vez."
Eugênio nunca esteve tão feliz. Quantas vezes tinha observado o céu, mirado nas estrelas mais distantes, naqueles pontinhos lá no finalzinho do universo... Procurando o segredo da vida, querendo entender os mistérios de Deus... Não precisava ir tão longe...
E pensando nessas coisas, disse a si mesmo:
"É esse o nosso maior erro, o de se gastar o tempo de uma existência querendo encontrar no lugar mais distante o que a gente pode encontrar tão fácil e que está tão pertinho da gente!"
Célio Furtado é artista plástico e cronista