Quem conta é Antônio Carlos Villaça em seu “O livro dos fragmentos”: o editor José Olympio Pereira Filho não lia livros; gostava de ler jornais, mas livros não. Vejam só.

Um de seus irmãos, que com ele trabalhava, encarregava-se da leitura dos livros candidatos à publicação, bastando para o editor o parecer aprovatório e as informações genéricas sobre cada obra. Sua intuição extraordinária e a experiência acumulada na lida com os livros bastavam para guiar-lhe nas decisões importantes.
Certamente, para ele, nessas decisões, o que menos contava era o eventual retorno financeiro da publicação, pois valia-lhe mais a certeza de estar dando ao público uma obra relevante, postura que sempre distinguiu os grandes do seu ofício. Não gostar de ler, portanto, não o impediu de ser o magnífico editor que foi, assim como a inapetência não impede alguém de ser exitoso dono de restaurante.

Rachel de Queiroz, na apresentação da biografia de JO, ressalta que ele assumia, frente aos escritores por ele editados, uma dimensão paternal, amparando-os em todas as necessidades. “Os seus editados viravam seus amigos, tão íntimos como só irmãos o seriam.”. Este é um diferencial realmente importante, principalmente se olharmos para as relações profissionais e comerciais contemporâneas, geralmente marcadas pela mais crua impessoalidade. José Olympio, ao contrário, “adotava” seus escritores, cobrindo-os de atenções e de mimos, sem jamais fazer qualquer tipo de interferência nas obras editadas, acrescente-se.

José Olympio reinou sobre a cultura literária brasileira do século XX como só um rei poderia reinar. Viveu décadas de festejada glória. Mas seu fim foi melancólico. Por problemas financeiros, a editora teve sua propriedade transferida para o empresário Henrique Sérgio Gregori, que teve a grandeza de permitir que JO continuasse à frente da empresa. Foi em 1984 e ainda faltavam seis anos para a sua morte.
Nesses anos finais, ele foi se recolhendo ao apartamento modesto em que viveu por quarenta anos, no bairro da Glória, apesar de sempre lembrado e visitado por amigos e admiradores. Até a morte súbita, à mesa, no dia 3 de maio de 1990. O velório consagrador ocorreu no saguão da editora, sua verdadeira casa de toda a vida, como não poderia deixar de ser. Ali a lenda já formada através dos anos tomou definitivamente o lugar do morto ilustre, o improvável e imenso editor que não lia livros.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB