Gosto da palavra “namorar”. É um dos verbos mais puros da língua portuguesa. Mesmo quando por eufemismo designa outra coisa (a ligação entr...

Namorar

Chico viana ambiente de leitura carlos romero namorar amor carinho afeto moda antiga

Gosto da palavra “namorar”. É um dos verbos mais puros da língua portuguesa. Mesmo quando por eufemismo designa outra coisa (a ligação entre amantes, por exemplo), “namorar” sugere mais ternura do que desejo. É uma palavra tão embebida em frescor adolescente, que deveria ser proibida aos que se relacionam num nível mais avançado.

Chico viana ambiente de leitura carlos romero namorar amor carinho afeto moda antiga
Os amantes resfolegam; os namorados suspiram. O prazer neles é mais ânsia do que consumação. Os amantes têm um antes e um depois, quando se quebra o encanto. Os namorados vivem num eterno antes, cheio de expectativa e encantamento. Os amantes têm diante de si o corpo explícito, feito carne, aberto na franca exposição da entrega. Os namorados tateiam no escuro o corpo escondido, espiritualizado, que sonham um dia possuir.

Namorado também não é ficante. O ficante é inimigo de quem ele beija ou apalpa numa intimidade destituída de preâmbulos e promessas. Quer o prazer imediato, e não apenas com um só. Quer a diversidade e o número. Quanto mais garotas ou garotos houver, melhor, já que nenhum deles conta mesmo por si. Os namorados, se pudessem, construiriam um mundo só para os dois.

Chico viana ambiente de leitura carlos romero namorar amor carinho afeto moda antiga
Namorado não quer a presa fácil; quer o árduo e delicioso trabalho da conquista, que se dá aos poucos, num crescendo de intimidade. Quer seduzir, o que só é possível quando o outro opõe resistência pelo que tem de íntimo, inalienável, pessoal. Como no “fica” ninguém resiste, não cabem nele os artifícios da sedução. E sem o trabalho de seduzir não há por que mobilizar a linguagem e escrever cartões, bilhetes, poemas (muitas vezes furtados), na tentativa de dizer ao outro o que se sente.

Um dos problemas dos relacionamentos de hoje é que se namora pouco. Vivemos numa época objetiva, pragmática, em que ninguém quer perder tempo. Na pressa de atingir logo a meta, os parceiros se alheiam do que há de fascinante no percurso. O essencial do namoro não está no ponto de chegada, mas nas estratégias que levam a ele. É um caminho pontuado de temores e arrebatamentos, cujo sentido está mais em percorrê-lo do que em atingir o objetivo.

Chico viana ambiente de leitura carlos romero namorar amor carinho afeto moda antiga

Mesmo porque o objetivo nunca é muito claro, já que os namorados vivem um tanto perdidos um no outro. Faz parte do processo ver o parceiro como enigma e espera.
Chico viana ambiente de leitura carlos romero namorar amor carinho afeto moda antiga
Como possibilidade de alguma coisa que nenhum deles sabe ainda o que é. Sabe apenas que deve aproveitar o momento antes que ele se transforme, e os dois sejam convocados a decidir que destino vão se dar. Enquanto namoram, o tempo faz seu trabalho, que consiste na lenta e inflexível erosão da fantasia.

Sei que estou romantizando, mas não existe namoro sem romantização. Por isso ele só acontece entre os que ainda não conhecem bem o mundo. Ou, se o conhecem, preferem ignorar-lhe a feiura e apostar no castelo de sonhos que (eles sabem) muito em breve virará saudade. A saudade dos namorados é a de um tempo em que eles eram outros, menos táticos e frios. E mais capazes de esperança na vida e no amor.


Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também