Quando amainar a pestilência, a ânsia angustiante desanuviar e pudermos nos dar as mãos e chamar para mais perto os corações enlutados, quando isto acontecer, aí, sim, seja quando for – não importa o dia do santo nem quem seja Ele – vamos juntos celebrar o Maior São João do Mundo. Vamos subir aos céus e incendiar as nuvens com as nossas girândolas e foguetões de desafogo.
As enfermeiras e suas assistentes, todas, todos, serão chamados. O médico, a arrumadeira, a coletora do laboratório e aquela senhora, que já não regressava tão triste e passava pelo corredor quando uma porta se abriu e com ela o murmúrio, os soluços, ela não receando em deter-se e associar-se aos que acabavam de ingressar no vale solitário de lágrimas. Quantos, quantos!
Os denodados da imprensa, da televisão, com sua audácia, seu heroísmo dissimulado ou desviado para o interesse atraído pela informação angustiante. É da missão. Quanto mais trágico o realismo da notícia mais embaçada a imagem do seu portador. E que dizer dos repórteres da imprensa escrita, do rádio, dos fotógrafos, dos que estão efetivamente por trás da sucessão tormentosa dos fatos, para quem não podemos decretar ou impor quarentena?!
Havemos de fazer essa festa quando o coração estiver completamente livre de constrangimento ou remorso.
Agora não, fogueteiros! Não temos o que festejar, mesmo que o cântico da igreja destes tempos, sem a liturgia arcana do órgão, não faça muita diferença entre a festa e o luto. Parece mexer mais com o corpo do que com a alma.
E a todos nós que assistimos, consternados, à que distância foram detidos filhas e filhos dos enterrados na vala comum, empurrados para o fundo da terra por tentáculos mecânicos, a dor avistando de longe. Santo Deus, não dá para bater palmas nem muito menos fazer das varandas e janelas o camarote desse tormento!
A vida continua pulsando aos bilhões, mas com 300, 400 mil derrubados por um vento mal e de uma vez só, isso não deixa de ferir e compadecer os vivos das mais diferentes nações, próximas ou longínquas. O mundo inteiro está ferido. À miséria do vírus vem se juntar um acúmulo diverso e inumerável de males e injustiças que a usura individual e de classe ousa descartar. Como se vê, no rastro de um crime hediondo, de uma covardia de estado e de poder praticada contra um pobre negro americano, um império de glórias contraditórias entra em chamas.
A vida continua, sim, mas o cenário de isolamento dos grandes e pequenos aglomerados, quanto mais consciência e reflexão mais ruas vazias. Façamos a festa, mas de corações inteiros, em seus constrangimentos naturais, sem o peso tão próximo de uma guerra e um morticínio que ainda não terminou nem se sabe o que vai gerar.
Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL