Eu estava de passagem por Águas Calientes, no Peru. Tive de dormir uma noite lá para continuar até Machu Picchu, no dia seguinte.
À noite sai do hotel e subi uma ladeira até me deparar com um transeunte.
- ¡Buenas noches, amigo! ¿Podrías recomendarme un restaurante para cenar?
- ¡Ay, caramba! ¡Es brasileño!
Disse que sim e fiquei muito impressionado com o espanto do rapaz. Nunca tinha visto antes alguém se comover tanto com o fato de eu ser brasileiro. Nos outros países que visitei, ninguém nunca fez nenhum caso disso. Em geral, identificar-se como brasileiro no exterior é como se apresentar como nordestino em São Paulo. Na Europa, pelo menos, onde o prestígio de nossa nacionalidade é dos piores, jamais alguém tinha se impressionado positivamente.
Talvez gostem um pouco mais de nós por aqui – pensei.
O rapaz gentilmente me indicou um restaurante no topo da ladeira. Agradeci e fui até lá.
O local estava vazio em plena hora do jantar. Um péssimo sinal.
Ignorei o “aviso” e escolhi uma mesa. Um homem, que imaginei ser o proprietário, aproximou-se e me deu as boas vindas. Era gordinho. Isso sim interpretei como bom sinal, porque ele devia gostar da comida que preparava. Quando recebi o cardápio, descobri que estava numa pizzaria.
Não sabia em qual posição, no meu ranking de preferência das delícias peruanas, iria ficar a pizza local. Pedi uma de atum ou de aliche, não me lembro bem. Logo após o preparo, a opção escolhida foi servida pelo dono, que também fazia as vezes de garçom. Veio escoltada por um cão da raça collie, que balançava o rabo, parecendo aprovar o prato.
Deve ser uma pizza boa pra cachorro! – pensei. A julgar pela animação da “Lessie”, que acompanhava o pedido e que permaneceu o tempo todo ao lado da mesa, esperando ser convidada.
Provei. Horrível! Nem o tempero da fome fazia aquilo descer. Meti azeite. Piorou. Pus pimenta. Danou-se. Procurei no galheteiro quaisquer outros ingredientes que pudessem acrescentar aquela “receita” algum sabor agradável e torná-la, precariamente, comestível. Nem mesmo o ketchup, cujo antepassado chinês, o ketsiap, era usado para disfarçar o gosto de comidas estragadas, teria sucesso ali. Eu tentei. Era uma redenção impossível. Feijão congelado era mais apetitoso. Estava ali a pior “pizza” que eu já tinha provado em toda a minha vida.
Sou muito propenso a experimentar comidas desconhecidas, sabores exóticos e, também, sou guloso, ou seja, para algo conseguir me desagradar tem de ser, realmente, muito ruim. Nada de “azedinho”, “esquisito”, “sem gosto”, “amargo”, “estranho”. Nada disso. Precisa mesmo ser intragável ou repulsivo. Aquela pizza merecia uma medalha!
Diante da minha decepção e da grande expectativa do cachorro por um pedaço, fui me livrando da pizza fatia por fatia. O bicho comia tudo, avidamente, e ainda se lambia, querendo mais. Ou se tratava de um grave caso de maltrato animal, e o cão estava morrendo de fome, ou, então, aquela era uma pizza boa “apenas” pra cachorro mesmo.
Outra possibilidade é que dono e o cão estivessem mancomunados. Ambos, já sabendo que os pratos eram intragáveis, beneficiavam-se disso. O humano, poupando ração, e o cão, banqueteando-se com aquele grude somente agradável ao seu paladar.
Sublinho que, mesmo diante de tão grande desastre culinário, o saldo da gastronomia peruana não ficou deficitário na minha avaliação. São apenas uma cerveja e uma pizza ruins contra dezenas de néctares e manjares perfeitos.
Será que, se tivermos paciência, depois do antimaná vem sempre o maná?
Emerson Barros de Aguiar é escritor neoarmorial, teólogo e jusfilósofo progressista