Talvez alguns leitores estejam se perguntando o que significa adversativo; outros talvez estejam dizendo que já viram vários títulos dados a Jesus, mas não este. Para responder a essas dúvidas, é importante começar lembrando que a adversatividade é a condição da contraposição que se manifesta linguisticamente pelas orações adversativas - aquelas iniciadas pelas conjunções coordenadas mas, porém, contudo, entretanto, todavia.
Do ponto de vista semântico, essas orações marcam uma mudança radical de orientação argumentativa no texto, alterando o chamado tópico frasal ou foco discursivo do que vinha sendo dito para o que passa a ser dito após a conjunção coordenada, pois, o que vem em seguida é o mais importante a ser dito.
Ainda que o leitor diga que não sabe fazer uma análise como essas, lembro que todos nós, falantes de português e das diversas línguas no mundo, sabemos usar a adversatividade para informar, questionar, persuadir, argumentar, mudando o encaminhamento discursivo.
Jesus é o Mestre por excelência em todas as situações e também na construção discursiva de seus sermões e narrativas, tal como registrado em O Novo Testamento. √ Em várias ocasiões foi adversativo, isto é, mudou o foco discursivo de então, apresentando a sua proposta que é inteiramente nova e de contraposição ao status quo estabelecido.
Para as finalidades deste texto, vamos deixar de lado as várias sentenças adversativas inclusas ao longo dos sermões e narrativas,
Estas podem ser apontadas como a síntese do pensamento de Jesus sobre a amorosidadedo tipo "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir" (Mat: 5:17), em que claramente há adversatividade e mudança de foco discursivo (neste caso, no sentido de indicar que há coerência entre as duas primeiras revelações de Deus aos homens, para nos concentrarmos num conjunto de seis sentenças com pares opositivos inseridas na primeira parte do Sermão do Monte. São as sentenças que começam por Lembrai-vos do que foi dito aos antigos ou Ouvistes o que foi dito aos antigos, como vemos em algumas traduções, e são concluídas com Eu, porém, vos digo... Vejamos.
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno.
"Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela."
"Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério."
"Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor. Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus."
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra."
"Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céu." (Mat, 5: 21-44)
"Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela."
"Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério."
"Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor. Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus."
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra."
"Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céu." (Mat, 5: 21-44)
Do ponto de vista macro discursivo, essas sentenças se inserem no Sermão do Monte que é paradigmático quanto à apresentação da nova ordem trazida por Jesus, ou a inauguração da Era do Amor, como diz o espírito Amélia Rodrigues através da mediunidade de Divaldo Franco. Logo, são sentenças que apresentam focos dessa nova era. Observemos que, do ponto de vista, da sequência discursiva, as sentenças iniciadas com o “Eu, porém, vos digo” fazem oposição à interpretação da Lei no que diz respeito ao mandamento sobre o não matar e também aos costumes, como a separação, a reparação e a justiça – olho por olho – e a segregação – amar ao próximo e odiar aos inimigos.
No caso da interpretação da Lei, ao dizer Porém, Jesus nos ensina que “não matar” refere-se a muito mais do que a preservação da vida física, refere-se igualmente à preservação da vida emocional e moral do próximo, dado que encolerizar-se contra outrem ou chamá-lo de raca e louco, que seriam exemplos de epítetos desqualificativos, equivale a de alguma forma matá-lo.
Ampliam-se, assim, as noções de morte e de assassínio. Da mesma forma, na sequência, vemos a amplitude que tomam a questões do adultério e da postura ética referenciada sobre designação de juramento – dois problemas na nossa evolução antropossociológica que mereceram advertências marcadas pela conjunção adversativa e cujas posturas, nesse novo paradigma, são outras.
Por fim, o trecho é concluído com as advertências sobre reparação/justiça e segregação. Estas podem ser apontadas como a síntese do pensamento de Jesus sobre a amorosidade e ainda como síntese de sua moral, sabiamente, denominada de Estranha Moral, por Allan Kardec, no Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XXIII, porque invertem completamente o que era conhecido.
À luz do seu ensinamento, não devemos sequer “re-agir”, ou seja, agir da mesma forma, repetir o mal, mas oferecer-lhe a outra face! Da mesma maneira que não devemos odiar os inimigos, mas “amá-los”. Em outras palavras, o avesso do que se conhecia à época, o avesso do que fazemos ainda hoje.
Isto posto, cabe lembrar que a adversatividade de Jesus se mostrou não apenas nos seus discursos, mas sobretudo nas suas ações, pois, sua mensagem continuava nas suas ações, que são o novo paradigma. E nesse caso, não cabe um “mas” ou “porém”, “contudo” ou “todavia”, cabe-nos segui-lo!
Denise Lino é pós-doutora em educação e professora