Manifestações e protestos, desde que ordeiros e pacíficos, são uma demonstração inequívoca da liberdade de expressão. Embora muitos desejem limitá-la, a liberdade de expressão deve ser garantida e quem se sentir incomodado com ela deve buscar a justiça. O que não dá é para o estado se intrometer e cerceá-la, em nome do que quer que seja.

Por que não usar essas estátuas didaticamente, colocando-as num museu sobre a escravidão, para que a história seja contada repetidas e infindas vezes, revelando com todas as letras a ação execrável cometida, para que ela não mais se repita?
Se as manifestações e protestos se resumirem a retirar dos logradouros esses símbolos da opressão humana, sem uma ação subsequente ensinando às novas gerações que os homens são iguais, merecedores de respeito e de amor, independente da cor da pele ou da etnia a que pertençam, isto pode até saciar um certo desejo premente de vingança, mas jamais será justiça.
O desejo de vingança, até certo ponto compreensível por causa de nosso instinto de sobrevivência, mostra-se patente na busca de culpados. Mais do que culpa, contudo, devemos buscar responsabilidade. É a responsabilidade que nos faz assumir as consequências de nossos atos. A culpa apenas nos consome e, via de regra, nos joga ainda mais para baixo.
A responsabilidade, depois que dela tomamos consciência, nos encaminha a fazer o que é correto. Não podemos consertar os erros do passado, mas podemos começar a entender que não devemos repeti-los e passar a repudiá-los. Eis a responsabilidade, bem diferente da culpa. Esta nada muda em nós e, a depender da situação, estimula que continuemos a cometer os mesmos erros.

O que passa pela cabeça de alguém que aprova a censura de uma obra como E o vento levou..., porque ela conta mal a história da escravidão? Em princípio, só o autor poderia estabelecer uma censura à sua obra. Qualquer outra pessoa ou instituição que se atreva a fazer isso é um aviltamento à obra e um atentado à liberdade de expressão do seu autor.
Aristóteles já estabeleceu, há 2500 anos, a diferença entre a ficção – póiesis – e realidade. Quem quer realidade vai buscar a história, que se preocupa em contar o que acontece ou que aconteceu (nem sempre é assim, sabemos, porque a história teve e sempre terá partido...); quem busca possibilidades, o que poderia ou não acontecer pela verossimilhança e pela necessidade, vai ao encontro da ficção. Se Aristóteles não conseguiu se fazer entender por muitos que se dizem artistas e aprovam o absurdo da censura, talvez Guimarães Rosa o consiga, com uma declaração irônica, no conto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga*”:

* Guimarães Rosa (1908-1967), no conto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga": Sagarana (Editora Universal, 1946):
(...) “E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor.””.
(...) “E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor.””.
Se ficarmos apenas na sede de vingança, quanto tempo irá durar uma obra como o Coliseu, construída com o suor de escravos hebreus, levados

Com esse raciocínio equivocado, terminaremos sem história.
Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL