Para que servem as pontes?
Consultando o significado de ponte no dicionário Houaiss, encontramos no seu sentido figurado, “qualquer elemento que estabelece ligação entre pessoas ou coisas”. Trazemos o enfoque da nossa análise a questão do preconceito religioso na atualidade, sob o olhar espírita.
A palavra religião vem do latim, “Religare”, evoca a ideia de ponte, religar o homem a Deus, religar as pessoas ao divino, mediante as Leis Morais, estabelecidas pelo Criador. Percebemos que a palavra religião, no seu sentido original, é um meio que possibilita conectar a criatura ao seu criador. Ao longo da evolução antropossociopsicológica do ser humano, na esfera da religião, percebemos a formação de muitos muros de intolerância, da falta de respeito à diversidade humana, certamente, pela desatenção aos códigos divinos e pela predominância do egoísmo e orgulho nos relacionamentos humanos. O desafio é, portanto, encontrar caminhos estratégicos para transformar este cenário.
Comumente, são necessárias ações de extremo desrespeito, com a singularidade, trazendo uma comoção social para só depois, assegurar direitos legítimos às pessoas e que importam para a vida numa sociedade plural e democrática.
Como exemplo há o dia 21 de Janeiro, que representa um marco na luta pela conscientização e combate à intolerância religiosa no Brasil. A homenageada é a Mãe Gilda, Yalorixá, vítima de intolerância religiosa ocorrida em Salvador, Bahia, em 1999, que teve o seu templo invadido, depredado, e seu marido agredido por fundamentalistas. Gilda faleceu um ano após o ocorrido.
Diante de fatos lamentáveis, a bandeira do diálogo interreligioso representa o mais eficaz antídoto aos males decorrentes da intolerância, do fanatismo religioso, e traduz a mais lúcida estratégia para a construção de pontes em favor da pacificação.
A Doutrina Espírita, nas suas bases filosóficas, corrobora na perspectiva do respeito à diversidade religiosa, por estar em plena sintonia com as Leis Divinas, estudadas em profundidade em O livro dos Espíritos, por Allan Kardec, no diálogo interexistencial estabelecido com os Benfeitores Espirituais. Abrindo suas páginas cintilantes, extraímos algumas pérolas que sedimentam o nosso entendimento:
654. Tem Deus preferência pelos que O adoram desta ou daquela maneira?
“Deus prefere os que O adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-Lo com cerimônias que os não tornam melhores para com os seus semelhantes”.
“Todos os homens são irmãos e filhos de Deus. Ele atrai a Si todos os que lhe obedecem às leis, qualquer que seja a forma sob que as exprimam [...]”
[...] “Não pergunteis, pois, se alguma forma de adoração há que mais convenha, porque equivaleria a perguntardes se mais agrada a Deus ser adorado num idioma do que noutro. Ainda uma vez vos digo: até Ele não chegam os cânticos, senão quando passam pela porta do coração.”
“Deus prefere os que O adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-Lo com cerimônias que os não tornam melhores para com os seus semelhantes”.
“Todos os homens são irmãos e filhos de Deus. Ele atrai a Si todos os que lhe obedecem às leis, qualquer que seja a forma sob que as exprimam [...]”
[...] “Não pergunteis, pois, se alguma forma de adoração há que mais convenha, porque equivaleria a perguntardes se mais agrada a Deus ser adorado num idioma do que noutro. Ainda uma vez vos digo: até Ele não chegam os cânticos, senão quando passam pela porta do coração.”
Na questão 621 "Onde está escrita a Lei de Deus?"
“Na consciência”.
Na questão 625, "Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?"
“Jesus”.
Temos, portanto, essas importantes bases de entendimento; a sinceridade, como condição sine qua non para efetividade do ato adorativo; a consciência, como altar sagrado, onde Deus colocou suas Soberanas Leis; e Jesus, o modelo e o guia da humanidade, o verdadeiro avatar e a Luz do mundo.
À guisa de exemplificação, algumas iniciativas importantes são realizadas pela Federação Espírita Paraibana, órgão representativo no Movimento Espírita Paraibano, no acolhimento e no apoio ao Encontro da Diversidade Religiosa no Estado da PB. Promove-se anualmente o Congresso Espírita Paraibano, em cuja programação consta o momento do diálogo interreligioso, com a participação de convidados de vários representantes das religiões, dialogando em torno de temas confluentes, o Sagrado, a Cultura de Paz, a Valorização da Vida, Espiritualidade, Valores humanos entre outros. Outra ação realizada é o Café da Manhã da Diversidade religiosa na PB, em parceria com o grupo de pesquisa VIDELICET da UFPB, tendo à frente os professores Carlos André e Severino Celestino, ambos fundadores do Curso das Ciências das Religiões da UFPB. A proposta é, portanto, criar pontes e não muros; pontes de diálogos, onde aprendemos e compartilhamos uns com os outros, favorecendo, gradativamente, a amorosidade e convivência pacífica.
Afirma João da Cruz, o místico sacerdote, frade carmelita espanhol, numa linda reflexão a respeito de aprender a amar: “Quanto uma alma mais ama, tanto mais é perfeita naquilo que ama”. É uma questão de se permitir e exercitar a amorosidade. Há também uma linda frase atribuída a Madre Tereza de Calcutá, que muito nos ensina: “Amo todas as religiões, mas sou apaixonada pela minha”. Simples assim.
Outra citação que merece consideração é a do Padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin: “Tudo o que sobe, converge”. Neste sentido, o pensamento religioso deveria trilhar sempre um caminho ascensional de convergência superior, afinal Deus é o Altíssimo, a meta, a causa primária de tudo e de todos. Não se pode amá-Lo desrespeitando o próximo, a natureza, enfim sua criação.
Podemos inferir que a diversidade religiosa e suas expressões de espiritualidade configuram um legítimo direito humano, conforme a Lei Divina ou Natural. Emanar amor, respeito a todos que sinceramente se dedicam ao bem, ao desenvolvimento da sua espiritualidade em nome do Sagrado, é o caminho para derrubar os muros e ampliar construções de novas pontes.
Conclamamos a confluência das ideias, trazendo a arte, enquanto linguagem, conhecimento e expressão, para concluir este artigo, num poema autoral que ganhou musicalidade pelo parceiro e músico Ricardo Ribeiro, intitulado “Quando o sol nascer”.
Quando o sol nascer, e o amanhecer puder raiar,
Venha aqui sorrindo contemplar,
A felicidade florescer,
De uma longa história que se faz.
Vamos ir além
E com a coragem permitir,
A diversidade que há na vida.
Toda, toda crença é singular
Em um universo tão plural.
Seja a mudança que quer ver no mundo
Faça brilhar sua luz
E se puder fazer, que faça
Uma canção de amor.
Venha aqui sorrindo contemplar,
A felicidade florescer,
De uma longa história que se faz.
Vamos ir além
E com a coragem permitir,
A diversidade que há na vida.
Toda, toda crença é singular
Em um universo tão plural.
Seja a mudança que quer ver no mundo
Faça brilhar sua luz
E se puder fazer, que faça
Uma canção de amor.
Marco Granjeiro Lima é educador, mestre em serviço social e presidente da Federação Espírita Paraibana