O politicamente correto chegou às cantigas infantis. A partir de agora devemos ter muito cuidado com o que cantamos para as crianças. Uma simples canção de ninar pode embutir um significado nocivo, capaz não só de amedrontá-las como também de marcar-lhes negativamente a personalidade.

“O cravo brigou com a rosa” tem uma sugestão bélica que não fica bem a duas flores. Delas se espera ternura, concórdia, enlace amoroso -- e não que fiquem se despetalando de raiva uma da outra. E o famoso “Boi da cara preta”? Geralmente se canta essa música para fazer as crianças dormir, mas como levá-las ao sono ameaçando-as com um bicho escuro que, ainda por cima, as aterroriza com caretas? Se dormirem, coitadas, vão ter horríveis pesadelos.

Outra cantiga que nada tem de edificante é a que acompanha a história da Dona Baratinha. No início da letra alguém pergunta quem quer casar com ela. Espera-se, obviamente, que a noiva possua predicados que a habilitem a ser uma boa esposa: fidelidade, apego ao lar, disposição para ser mãe. Em vez disso, ouvimos um tanto desapontados que ela “tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha”. Ou seja, exalta-se apenas a vaidade da pretendente e, pior, insinua-se ao eventual marido a possibilidade de um golpe do baú. Não surpreende que o candidato seja um tal de... Dom Ratão. Felizmente o esperto teve o destino que merecia, morrendo cozinhado numa panela.

Se queremos adultos equilibrados, precisamos cantar para nossas meninas outras canções. O problema é saber quais. Enquanto não descobrimos, o mais prudente é niná-las com o inofensivo ããã, ããã, ããã. Qualquer fonema ou palavra a mais pode ser perigoso. Muito perigoso!
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor