Nestes dias angustiantes de isolamento, a leitura de uma postagem de Fábio Mozart traz-me uma saudade a mais. Logo agora, num instante de tantas ausências. É que Mozart me remete a Creusa Pires.
Atribui-se a José Américo sentença segundo a qual “velhos não fazem amigos. Fazem conhecidos”. Amigo, de fato, é aquele ente que escapa dos dissabores e desencontros no transcurso de décadas. Amigos são os que ficam. E os velhos, naturalmente, padecem, para tanto, da insuficiência de tempo.
Mozart descobre-se com amigos em número inferior ao da lotação de uma Kombi. Talvez preencham um Fusca.
Foi, exatamente, o que eu ouvia de Creusa Pires, a quem entrevistava para a Revista A CARTA, edição de 12 de janeiro de 1991. “Dona de uma casa que já abrigou presidentes, ela sobrevive, sem mágoas, em balcão de loja”, anotei no subtítulo da matéria “Amigos num Fusca”.
A lojinha de quinquilharias a que ela deu o nome “A Bagunça” – a má sorte financeira nunca lhe afetou o bom humor – substituía o famoso Armazém Pires, durante muito tempo o mais importante estabelecimento comercial de João Pessoa. Pelo menos, até a edificação do prédio situado à margem da Lagoa, numa das mais exibidas paisagens da cidade. Os mais novos conhecem o ponto comercial em razão do repasse à Mesbla.
Ali, no andar térreo, o casal Adrião e Creusa instalou produtos (com estoque ampliado), equipes e equipamentos modernos, um deles a primeira escada rolante da Capital da Paraíba. Apresentada à população, tão logo foi adquirida, a engenhoca chegou a circular em carro de bombeiro.
Os andares superiores, destinados à habitação, tiveram todos os apartamentos vendidos, mas a falência da economia nacional comprometeria a capacidade de pagamento do empréstimo feito em dólar. E veio a bancarrota.
A Creusa que me falava nos idos de 1991 assim o fazia na casa da Epitácio Pessoa, uma mansão de sete quartos, já sem móveis e empregados. Não era sequer a sombra da vivenda onde se hospedou gente como Roberto Carlos, Paulo Autran, Maria Della Costa, Jô Soares, ou os presidentes Castello Branco e Costa e Silva. O general Ernesto Geisel, antes da Presidência, também foi hóspede de Creusa.
Ainda não havia o Hotel Tambaú e, então, figuras nacionalmente importantes em visita ao Estado eram entregues aos cuidados da Família Pires, não raramente, pelo próprio governador João Agripino.
Castello Branco gostou do jeito simples e das tapiocas preparadas a capricho por Dona Batistinha, mãe de Creusa, com quem puxava conversa. Ela não se furtava ao bate-papo e era Capitão para cá, Capitão para lá, para desespero da dona da casa. “Mamãe, o homem é Marechal”...
Pois bem, casa sempre lotada, convites frequentes para tudo, desde batizados à inauguração de posto de gasolina, Creusa – a moça que ascendera socialmente em razão do casamento com o dono da loja em cujo balcão teve o primeiro emprego – terminaria perdendo o antigo status. Perdia, também, com isso, a legião de amigos.
“Hoje, eles cabem num Fusca”, contou-me, repito, sem mágoas.
Que mulher maravilhosa!
Frutuoso Chaves é jornalista