Como aquilo me atraía. O reflexo dourado, a profusão de bolhas, o exagero de espuma. Perto dos 15 anos, atração igual eu apenas sentia pela filha do melhor freguês do meu pai, moça já feita. Mal percebia que não era capaz de dar conta de uma coisa nem de outra.
Era o tempo em que os maus negócios da padaria empurravam meu velho ao ramo do bar e da lanchonete. “Pão exige muito e rende pouco”, justificava ele a migração lenta, gradual, para o que seria sua última atividade no comércio. Pouco tempo depois, embarcaria no hoje extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, aposentando-se como funcionário público. E foi assim que sustentou a família até o fim de seus dias.
Mas, naqueles idos, o bar ao lado puxava aquele freguês a uma das mesas, enquanto o balcão de pães e bolos prendia a atenção da moça bonita.
E eu, ali, aflito, em insuficiências de idade, um olho na loira e outro na morena, a padecer dos meus dois primeiros alumbramentos, com o perdão de Bandeira que só teve um.
Luiz, o garçom, abria a garrafa e provocava o chiado do líquido borbulhante, em temperatura polar. Com que gosto o homem sorvia copos seguidos, melando o bigode. Ele o tinha branco, longo, farto e disso cuidava como não cuidava da filha, fossem verdadeiros os cochichos dos adultos.
Eu não acreditava. Eram, certamente, uns despeitados. Não escondiam a gula, o que me fazia reparar, também, na situação absurda, risível, por mais que a autocrítica me doesse: um pirralho mal saído dos cueiros e um bando de velhos, todos nós desejosos, em vão, do mesmo quitute.
“Mosca de padaria”, diria meu pai, se soubesse o que vinha à mente do filho em fase de crescimento. Sabem não? Pois bem, mosca de padaria apenas fica de fora a lamber o vidro. Não come nada.
E a morena continuou a ignorar este imberbe e os decrépitos até encontrar o meio termo: um sujeito sortudo de vinte e poucos anos com quem ganhou o mundo e, a bem da verdade, outras coisas. Mas é outra história.
Restava-me a loira e esta não me escaparia. Certa vez, sozinho, fim de noite, portas já baixadas e com o encargo de levar a chave para casa, decidi que aquele era o momento. Retirei a mais gelada das garrafas do frízer, peguei um copo limpíssimo e iniciei a operação à altura dos olhos, sem deixar cair um pingo, cuidadoso feito um daqueles antigos farmacêuticos no manejo de provetas.
Bolhas rodopiavam e subiam em direção ao colar branquinho. Era como se contrariassem a Lei da Gravidade a fim de também me levar à contravenção do código paterno.
Se eu fosse flagrado, terminaria em Pindobal, a colônia de reeducação infanto-juvenil instalada lá para as bandas de Mamanguape com a qual os pais de antigamente ameaçavam os filhos rebeldes.
Não havia, porém, como resistir à tentação de algo assim desejado. Pindobal que se danasse. Eu tinha que experimentar aquilo, sentir o sabor daquela efervescência de ouro, daquela erupção hipnótica, misteriosa, que a mim então se oferecia, entre quatro paredes, concupiscente, sensual, indecorosa.
Levei o copo aos lábios, cerimonioso, cuidadoso como num beijo em boca virgem. E me espantei. Nunca havia, até então, provado coisa tão ruim. O restante foi à pia.
Ah, a juventude e suas incapacidades.
Frutuoso Chaves é jornalista