Fachada é rosto, tela, expressão que reflete épocas da arquitetura, urbana ou humana. Seja de casa ou de edifício, nela está o sorriso do que se constrói, o registro de uma era, a figuração ilustrativa do clima, da economia, da tecnologia e do modo de vida entre os povos. Como lado que é visto por fora, são as fachadas que definem o cenário das cidades e comunidades.
A poesia também se faz presente na Arquitetura, interna ou externamente. No piso, no teto, nas paredes, móveis e detalhes inscrevem-se os reflexos do ser humano, de seus anseios de conforto, beleza, convivência, de sua organização social e familiar.
Se há algo que registra a história da humanidade como “Música Petrificada”, de forma tão intrínseca e genuína, é a Arquitetura. De todos os estilos, nas diversas eras, ela é a linguagem que mais exprime as emoções de maneira sólida, viva e eloquente. Da pré-história à modernidade, foi na perspectiva dos aglomerados urbanos que se evidenciaram os modos de vida, do relacionamento comunitário, que muitas vezes extrapolaram sentimentos fazendo brotar para a superfície das fachadas a intimidade que transcendia os ambientes internos e a alma que neles habita.
A técnica de construção conhecida como “Fachwerk” ou Enxaimel, que teve origem há quase 3 mil anos na Etrúria, parte da península itálica onde hoje fica a Toscana, é uma boa referência sobre o assunto. Muito usado na Alemanha, França e Inglaterra, com a intenção de pôr à mostra todo o sistema estrutural, o estilo tornou-se turisticamente muito apreciado pelos aspectos estéticos e históricos, amplamente encontrado em decantadas regiões da Normandia, Champanhe, Bavária, Saxônia e em cidades medievais suíças e inglesas.
A técnica consistia em preencher os espaços entre pilares, vigas horizontais e diagonais com tijolos, argamassa e até pedra grês, deixando a estrutura de madeira bruta aparente. Exemplos memoráveis podem ser vistos em bairros inteiros em Celle, Rothenburg ob der Tauber, Freudenberg, Blankenheim (Alemanha), Rouen, Troyes, Dinan (França) e até mesmo no centro de Londres, na sofisticada loja de departamentos “Liberty's”, modelo clássico e repaginado do estilo Fachwerk. Uma maneira de tornar visível em corpo, de forma graciosa, os segredos do esqueleto das edificações.
Outro tipo de composição de fachadas, decerto mais romântico, observa-se na Riviera Italiana, especialmente na costa banhada pelo Mar da Ligúria, região pródiga em relíquias paisagísticas e arquitetônicas, composta por pequenas cidades. Trata-se da encantadora técnica conhecida por “Trompe-l’oleil” (ilusão de ótica).
Embora remonte à Antiguidade, sobressaiu-se na Renascença como inovadora criação artística que deu vida, com ares de teatro e ópera ao cotidiano lírico das ruas e vielas, fazendo soar da Arquitetura sua bucólica melodia em pedra.
Os italianos e franceses souberam aproveitar bem essa virtude plástica, cujo objetivo é realçar o aspecto tridimensional das pinturas, adornando as fachadas e frontispícios com afrescos, que é descoberto com surpresa ao olhar mais atento. Emoldurando janelas, ornamentando colunas, cornijas, caneluras, volutas, capitéis em estilo dórico e sua variante toscana, obteve-se o refinado realismo em três dimensões. Há casos em que se produz efeito tão apurado, como na imagem com o gato na janela, que é preciso aproximar-se para perceber que não é real.
Réplicas deste romantismo perdido podem ser vistos em Camogli, Finalborgo, Gênova (Itália), assim como em Nice, Agde, Avignon, Gorbio e Menton (França).
São marcas indeléveis no tempo e nos sonhos, que em seu lugar de origem permanecem vivas, cultivadas, bem distantes de nossa arquitetura atual, cartesiana, funcional, tecnológica, que se transfigura na mesma velocidade com que vemos a vida passar...
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música