Cultura é uma palavra interessante. Já pararam para pensar no que ela diz e no que ela representa? Sabiam que “colono” e “inquilino” provêm da mesma raiz? Conhecem aquele bairro de Roma, onde se encontra a estação Termini e em que morou o poeta Marcial, o Esquilino, situado na colina do mesmo nome, a mais alta das sete que compõem o traçado da Cidade Eterna? Pois é, essa denominação também possui a mesma origem.
O termo cultura é oriundo do mundo rural, proveniente do verbo latino “Colo”, “Colĕre”. Quando essa forma verbal surge, ela tem o sentido de cultivar a terra e também os deuses que protegem aquele lugar, agora escolhido como morada. Daí que colĕre tanto pode ser cultivar, quanto habitar. Eis a sua relação com “colono”, o que habita e cultiva uma determinada terra, e com “inquilino”, aquele que habita em algum lugar, sem que necessariamente venha a cultivá-lo.
No que diz respeito ao bairro romano, no traçado original da cidade, feito por Rômulo, o Esquilino se situava na parte externa do reino, vindo a ser incorporado bem mais tarde. Hoje, integra-se perfeitamente ao perfil de Roma, abrigando a Basílica de Santa Maria Maior, uma das suas sete maiores igrejas.
Com o passar do tempo, o verbo amplia o seu sentido de cultivar a terra e os deuses que a protegem, e de habitá-la, para o sentido de cultuar a memória e a tradição, de modo a repassá-la às gerações seguintes. Assim, o substantivo “culto”, forma deverbal proveniente do supino “cultum”, tem o significado de “ação de cultivar”, passando a designar também um cuidado com as coisas do espírito, que devem ser preservadas. Embora possa parecer que os termos são muito diferentes – cultivar, colono, inquilino –, eles guardam em comum uma mesma raiz primitiva, em que constam os fonemas “kl”.
Cultura é, portanto, o que se cultiva ou cultua, materialmente ou no espírito; numa relação com a divindade ou por necessidades pessoais e do intelecto. Responder à questão que dá título a este texto é fácil. Todos temos cultura. Qualquer intervenção do homem feita na natureza, modificando-a, é um ato de cultura. Questão mais complexa é, como ouvi num debate na televisão, se há pessoas com mais cultura do que outras. Eu diria que, quanto maior o desenvolvimento tecnológico e humanístico, mais a cultura se expande. Há pessoas com mais cultura do que outras, então? Não tenho certeza, pois todos, particularmente, possuímos saberes que outros não têm. Mas posso afirmar que, decididamente, há mais pessoas com acesso aos bens culturais do que outras. Incluindo aí tanto o saneamento, quanto as bibliotecas...
Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor e escritor