O trato continuado com a ensaística de Ângela Bezerra de Castro não dá margem a assomos de surpresa com a sua poesia. Ela não tem feito outra coisa, desde que se dedica ao cultivo literário, senão exercícios de percepção poética. Se o resultado ganha a aparência de ensaio ou discurso, não seja por isso, pela forma comum, que ele se dissocie do conteúdo poético. Boa parte das pessoas que se confessaram surpresas com aquele mínimo de espaço transbordante de poesia, trazido a público no blog de Germano Romero, se disso não sabiam, bem o pressentiam.

Ângela teve formação acadêmica, bons professores, andou por velhas e moderníssimas teorias, leu de Alencar a Fernando Pessoa, mas tem sido na poesia a sua melhor colheita. Talvez a teoria literária lhe assegure ossatura, autoridade, o parâmetro, mas vêm do condão poético os seus melhores ou mais ricos achados. Ajudada, certamente, por uma lógica que lampeja clareza.

“Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi”.
Achando pouco, recorre a Exupéry, poeta em prosa, filósofo em poesia: “Eu parecerei morto e não será verdade”. Traz para a abertura a poesia que Odilon não fez, mas feita de longe para ele. Não há poesia sem ouvinte ou leitor.

Ela não me surpreendeu poetando em linhas de versos. Sua prosa, se assim posso dizer, mina do que sempre mais admirou e entregou-se, sua única “planície alegre” ante “a aspereza orográfica do mundo”. Quando a nossa Academia reeditou a 2ª edição do EU, foi dela a escolha desses versos de abertura. Síntese e dupla confissão.
Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL