Em entrevista exclusiva para o Ambiente de Leitura Carlos Romero, o poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto fala sobre a influência da tecnologia no hábito da leitura e revela algumas de suas memórias e preferências relacionadas à arte literária.
Doutor em Letras, professor, escritor e membro da Academia Paraibana de Letras, com uma produção constante, sempre em evidência no meio intelectual, Sérgio é autor dos livros “Gestos lúcidos” (1967), “A ilha na ostra” (1970), “Domicílio em trânsito e outros poemas” (1983), “O cerco da memória” (1993), “A quatro mãos: poemas” (1996), “Longe daqui, aqui mesmo: a poética de Mario Quintana” (2000), “Zoo imaginário” (2005), “O cristal dos verões” (2007), “A flor do gol” (2014), “O leitor que eu sou” (2015), “Folha corrida” (2017). Além de ensaios, críticas e outros trabalhos publicados em diversos periódicos e revistas, Sérgio figura em antologias poéticas nacionais e internacionais.
É vencedor de vários prêmios brasileiros, entre eles o que considerou seu livro “Zoo Imaginário” o melhor do gênero lançado em 2005. Integra obras de referência, a exemplo de Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século” e “Sincretismo: A Poesia da Geração 60”. Renovador, Sérgio diz que “a vida é curta, os poetas passam, mas a poesia é perene”. Critica a mesmice dos recursos estilísticos, perante o exaurimento da vanguarda e do esgotamento das formas pré-estabelecidas, defendendo a libertação da poesia da metalinguagem para voltar a se impregnar da “marca suja da vida”.
Para ele, as fórmulas são mais adequadas às ciências exatas e a poesia deve fugir do “discurso tautológico, sem surpresas para quem a lê”.
Sua meta atual, segundo diz, é escrever “o seu livro de poemas”. Uma prova de que cultiva uma fonte de entusiasmo inesgotável.
Ambiente de Leitura Carlos Romero (ALCR): Como anda a literatura brasileira na última década em quantidade, qualidade e qual a interferência da mídia digital em sua produção?
Sérgio de Castro Pinto: A mídia digital democratizou a criação literária no país, pois o que antes não saía dos estreitos limites do papel, dilatou o seu raio de ação e ganhou as redes sociais. O que é bom, pois aqui e ali, sou surpreendido com a presença de alguns poetas e ficcionistas promissores, até então relegados ao anonimato.
Atualmente, a diversidade rege a ficção e a poesia. Ou seja, o discurso hegemônico das vanguardas – Concretismo e Instauração Praxis, para citar dois exemplos – já não mais vigora como antes, o que faz com que os poetas escutem as vozes “esquizofrênicas” do eu profundo ao invés de cumprirem à risca as determinações de conteúdos programáticos dessa ou daquela corrente literária. Hoje, os poetas são mais adeptos de brevês do que de breviários.
Na esteira de Adolfo Casais Monteiro, o poeta não deve ensinar a governar e muito menos a ser governado, mas deve, sobretudo, indisciplinar os espíritos.De alguns anos para cá, houve a proliferação de algumas editoras de pequeno porte que, diferentemente das consideradas grandes editoras, possuem a ousadia de publicar livros de poetas ainda não consagrados. A Patuá é uma delas, à frente o editor e poeta Eduardo Lacerda. Em suma, por essas e outras editoras, a literatura brasileira está sendo bem divulgada.
Atualmente, a diversidade rege a ficção e a poesia. Ou seja, o discurso hegemônico das vanguardas – Concretismo e Instauração Praxis, para citar dois exemplos – já não mais vigora como antes, o que faz com que os poetas escutem as vozes “esquizofrênicas” do eu profundo ao invés de cumprirem à risca as determinações de conteúdos programáticos dessa ou daquela corrente literária. Hoje, os poetas são mais adeptos de brevês do que de breviários.
ALCR: O que pensa da responsabilidade dos que escrevem em contribuir para o aperfeiçoamento das virtudes humanas?
Sérgio: Não é tarefa do escritor contribuir para o aperfeiçoamento das virtudes humanas. Na esteira de Adolfo Casais Monteiro, o poeta não deve ensinar a governar e muito menos a ser governado, mas deve, sobretudo, indisciplinar os espíritos.
E tudo isso fluindo naturalmente, ao ponto de o comportamento mais execrável, mais hediondo, conviver harmoniosamente com o lirismo, numa prova cabal de que o escritor não deve se submeter ao jugo do politicamente correto. Ademais, como dizia Manuel Bandeira, a poesia está em tudo, tudo é matéria de poesia, desde os chinelos aos amores (cito de memória).
Quanto às minhas leituras, sou volúvel: migro de um gênero para o outro. Afinal, livros são como pessoas; a convivência prolongada com um só gênero, cansa, extenua.André Gide já dizia que a boa literatura não é feita com boas intenções. Ao que eu acrescento: tampouco com más. Aliás, creio que o poeta, o escritor, enfim, o artista de um modo geral, deve excluir de sua obra o politicamente correto, como o fez Hermilo Borba Filho no conto “O Palhaço”, que trata a respeito do assassinato de uma criança, de uma menina, sem que, em nenhum momento, o narrador tome para si a responsabilidade de emitir juízos de valor.
E tudo isso fluindo naturalmente, ao ponto de o comportamento mais execrável, mais hediondo, conviver harmoniosamente com o lirismo, numa prova cabal de que o escritor não deve se submeter ao jugo do politicamente correto. Ademais, como dizia Manuel Bandeira, a poesia está em tudo, tudo é matéria de poesia, desde os chinelos aos amores (cito de memória).
ALCR: Como você avalia o atual hábito de ler e a extinção da literatura impressa dando lugar aos e-books, portais, blogs e jornalismo on-line?
Sérgio: Eu não me vejo sem um livro à mão, livros à mancheia, mas livro impresso, cuja sensação táctil me proporciona um prazer desmesurado, quase erótico. Isso sem contar o hábito que tenho de cheirar livros quer em casa, quer nas livrarias, pois já não se disse que costume de casa vai à praça?
Pois bem. A propósito de minhas leituras, eis o fragmento de um texto que extraí do meu livro “O Leitor que eu sou”:
E eis ainda um poema – “noturno leitor” – que faz parte do meu livro “O Cerco da memória”:
Mas, como falar de educação num país que praticamente baniu a Sociologia e a Filosofia da grade curricular?
Pois bem. A propósito de minhas leituras, eis o fragmento de um texto que extraí do meu livro “O Leitor que eu sou”:
Quanto às minhas leituras, sou volúvel: migro de um gênero para o outro. Afinal, livros são como pessoas; a convivência prolongada com um só gênero, cansa, extenua. Mas se migro de um para o outro como quem muda de camisa, suo mais a camisa da poesia, lendo-a, analisando-a e produzindo-a. A poesia é o meu estandarte.
E eis ainda um poema – “noturno leitor” – que faz parte do meu livro “O Cerco da memória”:
nocturne lecteur,
mon semblable,
mon frère:
livros acendem luzes!
Borges ou Baudelaire
consome-nos energia
custa uma fábula
- em volts –
a leitura
de p(Rosa) e de (Poe)sia.
mon semblable,
mon frère:
livros acendem luzes!
Borges ou Baudelaire
consome-nos energia
custa uma fábula
- em volts –
a leitura
de p(Rosa) e de (Poe)sia.
ALCR: O que a educação pode fazer pela literatura para reforçá-la como meio de enriquecimento cultural mais importante?
Sérgio: A Educação deve disseminar o hábito da leitura. Para tanto, cumpre elaborar um método que exclua a obrigatoriedade de o aluno memorizar o acessório em detrimento do principal.
No meu tempo de secundarista, por exemplo, obrigavam-me a decorar os afluentes das margens esquerda e direita do rio Amazonas, o que jamais o fiz, pois, àquela época, já vislumbrava “a terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, o mítico Capibaribe, de Bandeira e de Cabral, enfim, os rios mais profundos, mais densos, mais caudalosos e perenes, porque extraídos da cabeceira, da nascente da linguagem.
No meu tempo de secundarista, por exemplo, obrigavam-me a decorar os afluentes das margens esquerda e direita do rio Amazonas, o que jamais o fiz, pois, àquela época, já vislumbrava “a terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, o mítico Capibaribe, de Bandeira e de Cabral, enfim, os rios mais profundos, mais densos, mais caudalosos e perenes, porque extraídos da cabeceira, da nascente da linguagem.
Sou mais de dar 'a volta ao dia em 80 mundos' do que de dar 'a volta ao mundo em 80 dias'Mas, como falar de educação num país que praticamente baniu a Sociologia e a Filosofia da grade curricular? Ou, pelo menos, que deixa de dar-lhes a importância que de fato têm, na medida em que proporcionam uma apurada reflexão a propósito do homem e do contexto no qual ele se insere?
ALCR: Qual o estilo, forma e conteúdo de sua preferência e por quê?
Sérgio: Com o passar dos anos fui me transformando num leitor eclético, receptivo a todas as tendências, a todos os gêneros literários. Se antes, na juventude, somente cultuava poetas concisos, essenciais, os poetas do “menos”, como João Cabral de Melo Neto, hoje já me mostro atraído pela poesia caudalosa de um Augusto Frederico Schimdt ou de um Pablo Neruda.
ALCR: Conte um pouco de sua recente viagem à Europa e como essa experiência repercutiu na sua poesia e reflexões?
Sérgio - Meu caro amigo e cronista, eu cheguei até a fazer algumas anotações, todas elas, sem exceção, refletindo uma espécie de profissão de fé na linguagem. Claro, não são poemas, mas embriões, maquetes que, mais tarde, eu poderei desenvolver ou não. Eis um dos apontamentos, cecas & mecas:
Para ser sincero, sou mais de dar “a volta ao dia em oitenta mundos” do que de dar “a volta ao mundo em oitenta dias”. Não sei até que ponto as viagens, os acidentes geográficos, o contato com outros povos, hábitos e costumes, interferem na minha poesia. A esse propósito, escrevi “rios, cidades e poetas”, poema dedicado à saudosa amiga Moema Selma D’Andrea:
alumbra-me mais a linguagem
que descreve a paisagem
do que a paisagem
propriamente dita,
pessoalmente:
linguagem diz a verdade.
paisagem, mente!
que descreve a paisagem
do que a paisagem
propriamente dita,
pessoalmente:
linguagem diz a verdade.
paisagem, mente!
Para ser sincero, sou mais de dar “a volta ao dia em oitenta mundos” do que de dar “a volta ao mundo em oitenta dias”. Não sei até que ponto as viagens, os acidentes geográficos, o contato com outros povos, hábitos e costumes, interferem na minha poesia. A esse propósito, escrevi “rios, cidades e poetas”, poema dedicado à saudosa amiga Moema Selma D’Andrea:
o paraíba, o mamanguape,
o tigre, o eufrates,
o tejo, o sena,
não desviam o curso do poema.
o poema, nenhum rio
ou cidade o fazem.
só os poetas, à margem do lápis:
caniço pensante na maré vazante da linguagem.
o tigre, o eufrates,
o tejo, o sena,
não desviam o curso do poema.
o poema, nenhum rio
ou cidade o fazem.
só os poetas, à margem do lápis:
caniço pensante na maré vazante da linguagem.
ALCR: Poderia citar 3 livros que marcaram a sua infância?
Sérgio: “Cazuza”, de Viriato Corrêa; todos de Monteiro Lobato e "Menino de Engenho", de Zé Lins, que li ainda criança por recomendação do meu pai, jornalista Petrônio de Castro Pinto.
ALCR : Além de aluno, amigo e confrade do patrono deste espaço literário, Carlos Romero, há algum fato relacionado com ele que lhe vem à memória?
Sérgio: Viva Carlos Romero! Estou lembrando, quando ingressei na Faculdade de Direito, o diretório acadêmico instituiu o Concurso de Contos Seráphico da Nóbrega, cuja comissão foi composta por Carlos Romero, Virgínius da Gama e Melo e Luiz Augusto Crispim.
Lembro que concorri com o conto "As Confissões do beato Anastácio", utilizando o pseudônimo João das Silvas. Pois bem, Carlos Romero e Virgínius escolheram o meu conto, Crispim um outro, do meu amigo Cláudio Lopes Rodrigues, que ficou com o segundo lugar.
Claro que Carlos Romero e Virgínius não sabiam que João das Silvas era eu, mas ficou para sempre em mim a boa lembrança deles terem votado no meu conto.
Nada, contra Crispim, claro, questão de gosto, mas, mesmo assim, ele escolheu "As confissões..." para o segundo lugar.
Lembro que concorri com o conto "As Confissões do beato Anastácio", utilizando o pseudônimo João das Silvas. Pois bem, Carlos Romero e Virgínius escolheram o meu conto, Crispim um outro, do meu amigo Cláudio Lopes Rodrigues, que ficou com o segundo lugar.
Claro que Carlos Romero e Virgínius não sabiam que João das Silvas era eu, mas ficou para sempre em mim a boa lembrança deles terem votado no meu conto.
Nada, contra Crispim, claro, questão de gosto, mas, mesmo assim, ele escolheu "As confissões..." para o segundo lugar.