Os sebos e suas revelações. Não apenas as raridades bibliográficas que às vezes encontramos surpresos e recompensados. Também certos achados menos nobres mas não menos pitorescos, com dedicatórias ou autógrafos revelando histórias nem sempre edificantes, histórias de descaso, de desconsideração ou simplesmente de avara ignorância. São muitas as histórias dos sebos.
Certo dia já distante, estava fuçando no sebo do saudoso Pontes, livreiro e bibliófilo refinado da aldeia, ali na Visconde de Pelotas, quase Praça Dom Adauto, quando deparei-me com uma inesperada primeira edição de “O nariz do morto”, de Antonio Carlos Villaça, com amável dedicatória do autor carioca a ilustre intelectual paraibano. Estranhei. E pensei: Mas como? Como poderia aquele livro, precioso em todos os sentidos, ter ido parar ali, num sebo, mesmo se tratando de um sebo prestigiado, vá lá, mas de qualquer forma um sebo, lugar, como sabemos, geralmente reservado a livros descartados menos por necessidades que por indiferenças. Fiquei pensando. O dito intelectual tinha falecido há pouco tempo. Era provável que em minhas mãos estivesse um exemplar de sua rica biblioteca agora desfeita pelos herdeiros. Acontecem muito esses desmontes póstumos. Afinal, qual o iletrado que quer conservar livros que não pretende ler jamais? Conformei-me, pois, com a realidade da vida e comprei satisfeito o achado, resgatando-o daquele destino inglório e concedendo-lhe um pouso digno nas minhas estantes anônimas.
Mais recentemente, encontrei noutro sebo um livrinho de minha lavra, com dedicatória a alguém. E aí, quem diria, experimentei na carne a experiência da rejeição autoral, inusitada para mim daquela maneira tão explícita. Ali estava certamente o texto não escrito de uma inequívoca crítica literária desfavorável. Paciência, pensei com meus botões, a vida é assim. Em todo caso, comprei o curioso exemplar, para guardá-lo como pitoresco troféu às avessas.
Uma das grandes e justificadas preocupações dos donos de bibliotecas é com o destino das mesmas quando morrerem. Raras são as famílias que conservam os livros amorosamente colecionados por seus mortos. No Brasil, sabe-se, pouca gente gosta de ler, e, naturalmente, menos ainda de guardar livros alheios, não importa o bem que quiseram a seus antigos donos. Sem falar, é claro, no problema do espaço cada vez menor dos apartamentos, contingência inescapável de muitos.
É isso. E disso tudo vivem os sebos.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB