No tempo em que se usava relógio de algibeira se deu o fato que vou narrar. Era elegante puxar a corrente e trazer à vista o redondo e trabalhado relógio de metal precioso. Um esnobismo que foi desaparecendo com o surgimento dos relógios de pulso. Atualmente, o celular faz tudo, inclusive marcar as horas. Mas, vamos à história propriamente dita.

Numa dessas manhãs, logo que dobrou a esquina rumo à loja, não notou ser acompanhado por um homem do povo, a certa distância. Jamais desconfiaria ser seguido por um larápio ou gente que lhe pudesse fazer o mal. Jamais. Na cidade todos o conheciam, inclusive o tal humilde personagem. Este logo se aproximou do ricaço e o cumprimentou com naturalidade, dizendo-se freguês, entrou na sapataria, experimentou um calçado, pagou e saiu. Iria estrear o sapato no casamento da filha. Mas o freguês tinha maléfica intenção que logo mais se saberá.

“Que deseja?” Ele respondeu, prontamente, na maior naturalidade:
“Seu digníssimo esposo mandou entregar este peru e pediu que lhe mandasse o relógio de algibeira que ele esqueceu”. A senhora mandou que um dos empregados recolhesse o peru e trouxe a peça, entregando-a ao emissário, em confiança. Agradeceu ao portador com alegria.
Quando o marido chegou para o almoço, a esposa contou o fato. Ele ficou totalmente surpreso. De nada tinha conhecimento. Apenas que esquecera, realmente, o famoso relógio, pois saíra apressado. Ficou perdido em suposições. Aquele perseguidor era um ladrão fino e inteligente. Notara que ele, dono da sapataria, se esquecera de levar na algibeira a raridade. Astuto o rapaz. O valor do peru estava aquém do portentoso marcador de horas fornido a ouro maciço...
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista