Que tela mais singela, viva e verdadeira que não seja a própria terra, ou um canto de calçada, um pedaço de tábua? E que pincel ou lápis mais intenso, talvez mais insano, e, ao mesmo tempo, tão emotivo que um caco de telha, uma ponta de pedra, um graveto, até mesmo o próprio dedo?
Espaços na areia, trechos de calçada, pequenas lascas de madeira, explorados por pequenas mãos, em curvas e detalhes, mesmos que trêmulos, ainda que em retas imprecisas, descompassadas, porém, ricos de coração e imaginação.
Uma aventura imaginária que traz de volta o pequeno artista/artesãoÉ a capacidade de "numa folha qualquer, eu desenho um sol amarelo. E com cinco ou seis retas ... fazer um castelo". Exatamente como a imaginação do genial Toquinho em "Aquarela". A mente voa alto com o corpo na segurança da terra firme, ultrapassa fronteiras, físicas e imaginárias.
São pinturas efêmeras, cuja brevidade é uma realidade a ser imposta pelo vento, chuva, pés, o tempo... Ainda que sem público, sem aplauso, sem espanto, exceto a moldura do olhar do próprio autor.
Independente da longevidade, o pequeno artista insiste, persiste e faz como diz a música "Giz", escrita por Renato Russo, do Legião Urbana": "Desenho toda a calçada, acaba o giz, tem tijolo de construção. Eu rabisco o sol que a chuva apagou. Quero que saibas que me lembro, queria até que pudesses me ver".
Sim, dá para ver, embarcar na nave aventureira chamada "Plunct Plact Zum" do inesquecível Raul Seixas. Uma aventura imaginária que traz de volta o pequeno artista/artesão, que por um instante recria todas as cores e traços e rabiscos guardados na sua alma.
Obra de arte sobrepujada pela falta da moldura, que se esconderá no mais remoto canto da mente do próprio artista. E, talvez, surja em imagem projetada internamente aos olhos, vinda de um lugar distante, e ao mesmo tempo tão perto, a própria essência.
Somos todos pinturas (e pintores) da magia da infância.
Clóvis Roberto é jornalista e cronista