Gentil-homem de conhecimento admirável, catedrático brasileiro respeitado em terras germânicas e de personalidade rara em dias atuais: assim é o pianista Marco Antonio de Almeida, paranaense, nascido na cidade de Londrina.
Atesto por conhecê-lo e desfrutar de sua fidalguia enquanto admirador-amigo e por ter tido oportunidade de ouvi-lo e ter apreendido inesquecíveis lições musicais ao piano.
Gravado em 1984 no Tennessee Studios em Hamburgo, o álbum “A Música de Ernesto Nazareth” [inicialmente lançado em LP e relançado sob vários títulos em CD] reúne uma seleção de 14 peças em distintos gêneros, perfazendo uma excelente amostra do gênio criador dos salões de fins de século XIX e primeiras décadas do século XX.
Primor pianístico e profissão de fé musical que se manifestam a cada dinâmica, a cada agógica elaborada afetivamenteA polidez humana em Marco Antônio perpassa sua essência e envolve o instrumento que, em suas mãos, é de fato, meio para o alcance do singelo e do profundo. Aliás, sobre a singeleza e a profundeza que cabem à Arte, tem sido em nossos dias, cada vez mais urgente, valorar, dimensionar, destacar e mesmo gritar diante de exemplos artísticos inequívocos.
Ouve-se na valsa Confidências, composta em 1913, de escalas e arroubos chopinianos à intimidade de uma ‘caixinha de música’ d’alma, com agudos prontos a ferir indiferenças.
Marco cumpre seu papel de artista quando se mostra cônscio da divulgação da música feita em terras sul-americanas, seja pelo ensino, seja pela gravação de repertório que ele próprio tornou referência. Interpretação que transcende a própria ideia de resgate ou de fidelidade ao contexto histórico, o álbum possui em verdade, viscerais execuções.
Como Nicolaus Harnoncourt diria, na relação entre música e vida, numa música, já para nós, antiga: “quando conhecimento e consciência das responsabilidades artísticas se unem à mais profunda sensibilidade musical”. E este certamente tem sido o esteio das concepções interpretativas para este músico e professor.
O Improviso - estudo para concerto é uma sincera homenagem ao segundo improviso do opus 90 de Schubert - Marco Antonio nos traz uma interpretação primorosa, seus pianíssimos e rubatos são de filigrana.
A supervisão da gravação ficou a cargo de Rainer Hecht que ao lado do engenheiro de som Bernd Rieger souberam imprimir à gravação a alta qualidade que se ouve ao vivo.
Assim é este disco, marcado de alegria e autenticidade, de primor pianístico e profissão de fé musical que se manifestam a cada dinâmica, a cada agógica elaborada afetivamente nos sentimentos adivinháveis do próprio Narazeth e no coração de um distinto pianista-professor que tem sabido ensinar o que sabe e aprender o que ensina, compartilhando emoções e segredos através de sua arte.
Sam Cavalcanti é mestre em música