Todos os idosos se parecem; alguns aproveitam a alegria do presente, outros, atingidos pela “caduquice”, andam de braços com a saudade, vivem seu passado como se fosse o presente, enquanto o presente lhes parece alheio.

Do terraço da casa, fica olhando as ruínas do engenho Paulo Afonso, onde viveu num constante borbulhar.
Repete várias vezes o quanto fora feliz ali. Com os olhos marejados, viajando pelo mundo das lembranças, consegue ver toda movimentação daqueles dias de glória e fartura. Sento para ouvi-lo mais uma vez debulhar sua história.
Começávamos a lida cedo. O corte da cana era feito antes do sol levantar. As moendas não paravam de gemer, enquanto mastigavam a gramínea como se fosse a mais deliciosa fruta. Extraiam todo o suco e cuspiam apenas o bagaço.

A farra da meninada era chegar com um pedaço de cana raspada, onde despejávamos um pouco do melaço quente, quando esfriava eles começavam o puxa-puxa, até transformar aquele mel escuro em branquinho alfenim.

Sinto cheiro: do bagaço de cana e das flores; do mato verde; do café e da farinha, do estrume e tantos outros; e escuto os sons: o cantar dos pássaros, o chorar das moendas. E do crepitar da lenha queimando. O pingar da cachaça, o gemido do carro de boi e o uivo da forrageira desfiando o agave.
Assim, ele, alheio à minha presença, vivendo o tão presente passado, como se estivesse cansado da lida, fechou os olhos e cochilou.
Ana Paula Cavalcanti Ramalho é psicanalista e escritora