Ele acordou num pequeno corredor, estranho, sem teto. Ainda meio desorientado, ergueu-se, cambaleante, pé ante pé em direção ao nada.

Caminhando em frente, o corredor se abria em dois. Depois ele percebeu que as bifurcações eram os mesmos lugares, com desenhos diferentes, mas talvez eram iguais em algo, frases soltas que se completavam talvez numa nova bifurcação. Eram tantos os caminhos...

Desolado, ele se volta para a mesma porta que um dia representou a entrada para um sonho de liberdade e agora significava a saída para o mesmo mundo, o mesmo, o mesmo, mesmo. Acima da porta estava escrita a palavra Mentira.
Verdade e Mentira. Partes de um mesmo portal, se embaralhando no mundo das percepções de dentro e de fora, do ali e do alhures. Mentiras que ao invés de profanar uma verdade, fazem como que se perceba que há uma na outra, pois toda verdade já foi uma mentira, pois toda mentira quer parir uma verdade.

Mas na repetição há a fissura, o que escapa ao ato de repetir-se. Como um desejo que não nos cessa, ele emudece quando satisfeito. Todavia volta logo sob forma de outro desejo, que se repete, que nos dá a sensação de que tudo será diferente, que tudo mudou.

De que valeriam a ele seus sentidos, talvez sua bússola? Onde seriam os pontos da rosa dos ventos num labirinto? Haveria um norte, um nascente, um sul, um poente? Tudo num labirinto se mistura como os passos de quem nele se encontra.

Quanto ao Leste, trovejavam ruídos despidos de sons. Ecos de nada. A voz da lua em noite calma. A lua e suas pratas reluzentes e frias. Andar para o Leste era se arvorar em lamaçais secos e sedentos de alguma fertilidade. É ao Leste que se erguem e destroçam-se ilusões.
Do Sul erguiam-se altas montanhas. Montanhas de brumas e de rochas prenhes de rolagem, esperando Sísifo toda noite. Do Sul vinham bocas que se molham, porém nunca se encontram. Dos paredões, ecos de antigas guerras ceifadeiras da sagração da paz. É ao Sul que os elementos se encontram, na água corredeira que sagra, na terra que ao todo sustenta, no ar que é o sopro da vida e no fogo que a tudo transmuta.
E a vida de certo tomba-se repetida e lerda, recobre-se de novos fios em velhos tearesQuando ao Oeste, memórias de umbigo, de curvas, de mãos que percorrem a carne na tessitura das paixões. De lá chega o tédio, como espinho de ouriço cravado no pé; de lá chegam os estilhaços das paixões vulcânicas; de lá chega o tempo da mansidão, daquelas aquarelas molhadas com seus pasteis escorrendo em formas disformes. Não se sabe ao certo Oeste aonde é. Às vezes, neve tropical bendita e febril, outras, braço de mar em mangue lamacento.
Assim ele vagava seus dias.
Valia-se do Oeste qual vela em vento e rio sem mar. Valia-se do Norte e suas diásporas breves. Valia-se do Leste que pensava ser real. Valia-se nunca do Sul.
E a vida de certo tomba-se repetida e lerda, recobre-se de novos fios em velhos teares. A vida é labiríntica, ele repetia.

Coçou um dos bolsos e pegou seu talismã. Uma sensação de liberdade o envolveu. Para nenhuma direção apontava seu talismã.
Quem vive num labirinto é faminto de caminhos.
Adriano de Léon é doutor em ciências sociais, professor e escritor