Sempre fui receoso com literatura biográfica produzida por familiares. Para formatar o perfil do biografado, muitas vezes o autor percorre caminhos que convêm, sem o olhar crítico nem aprofundando os assuntos que ajudariam a conhecer o personagem.
Registros do cotidiano de escritores, músicos e artistas, enfim, sobre empresários bem sucedidos elaborados por parentes, nem sempre têm perfeita concepção literária. Mesmo tendo brilho nas palavras, às vezes não expõem o personagem real, com acertos ou erros nas atividades que exercem, e no relacionamento com o mundo ao seu redor.
Tatiana Tolstói escreveu sobre seu pai, o romancista russo que nos presenteou com “Ana Karênina” e “Guerra e Paz”, dando testemunho de amor e da lucidez do pensamento dele, trazendo à luz passagens da vida deste homem iluminado que revolucionou a literatura universal.
No “Mestre Graciliano - Confirmação de uma obra”, Clara Ramos mostra sinceridade ao expor intimidades literárias do pai. São lembradas passagens do relacionamento dele com a família e amigos, a formação de escritor, sobre seu processo criativo, as dificuldades para construir seus livros.
Ela destaca os três paraibanos que entraram na história de Graciliano, fruto da camaradagem, que são José Lins do Rego, Thomas Santa Rosa e José Américo de Almeida. Clara Ramos reconhece que eles contribuíram na construção literária de seu pai, e que não se distanciaram dele nos momentos obscuros quando estava recolhido aos porões da ditadura de Getúlio Vargas.
Na esteira do sucesso de “A Bagaceira”, José Américo influenciou Augusto Frederico Schimidt a publicar “Caetés”, que estava receoso por se tratar de um desconhecido. Quando estava preso, José Lins mobilizou os amigos para publicar “Insônia”. Com o dinheiro dos direitos autorais, ajudou no sustenta da família. O outro paraibano presente na vida deste alagoano foi o artista plástico Santa Rosa, que desde quando se conheceram no Rio de Janeiro, construíram uma salutar amizade e foi ilustrador de seus livros.
A autora destaca a aproximação de Graciliano com os escritores paraibanos, profundamente ligados à terra. Os três tinham algo em comum, porque procedentes da mesma região esturricada. José Américo e José Lins saíram dos verdejantes canaviais, e Graciliano carregava consigo a rudeza dos sertões bravios. Santa Rosa foi criado à brisa do rio Sanhauá. A literatura foi o anel da sadia amizade entre os quatro.
Vários episódios estão narrados no livro em foco, que abre minúcias da vida do autor de “Vidas Secas”, fazendo-nos conhecer metodologia dele escrever, pedaços dos caminhos percorridos até se consolidar como romancista, enfim, Clara expõe muita coisa que ajuda a desvendar o emaranhado de sua obra literária, com profundo conteúdo humano.
A autora revela as origens de personagens, tão fortes e constantes em nossas lembranças, como Fabiano e Sinhá Vitória, Paulo Honório e tantos outros saídos do convívio familiar ou da paisagem do sertão.
Ao final da leitura de “Mestre Graciliano - Confirmação de uma obra” fica com a sensação de que o livro vale por muitos estudos acadêmicos.
José Nunes é poeta, escritor e membro do IHGP