Flávio Tavares, aos 70, se reinventa. E inventa de alcançar os limites do seu próprio tempo. Elege esses dias de pandemia para sugerir exultante grafia em forma de poesia. E colhe luz de outros escolhidos e merecidos espelhos seus.
Encanta o mar com suave clave no olhar, a saltar ao redor de espontâneo e contemporâneo altar. Onde permanece e sobrevive, em brilho e vigor, palco ou lugar, para retomar necessários e exaltados horizontes.
O fio do pincel se deixa vestir por admirável paisagem humana, a guardar, com carinho, esse formidável ninho, que, por vezes, oferece cor e claridade ao seu já iluminado interior. Onde flutuam vozeares e caminhares, matizes e texturas, tons e relevos, laços e brios, que vão preenchendo a tela em seus grandiosos vazios.
O desenho desafia, bem assim, lindos linhos do seu jardim. Cheio de amores e inúmeras flores, imerso em diversos aromas e inusitados sabores. A cada gota do orvalho, a ser sublinhada na aurora, o artista é alimentado por todo ar puro existente à sua volta. Que o segue e transpira, que o ergue e inspira.
Em cada canto, uma criação. Em cada gesto, uma canção. Em cada lágrima, uma emoção. Alegoria e movimento, musicalidade e sentimento. Inauditas ranhuras, benditas iluminuras. No mergulho do azul, emergem esfuziantes linhas e emocionantes silêncios, que regem o arco-íris sobre um céu, raras vezes, sombreado.
Sublime exercício de sacrifícios e comovidas escolhas. A todo tempo, alinhado e cultivado por efetivas e afetivas mãos, que bordam os meigos e solidários acenos de Alba e Eduardo Tavares. Porque, neles, se encontram os maiores sinais de cuidado e amor.
Infinitos ventos sopram e confessam, a cada voo e vazante, esplêndidos e maravilhosos rios. E dimensionam florescidos e incontidos caminhos, com os quais se educam valiosos modos de ser e de viver.
A espátula toma a veste do artista e o faz sonhar. E, em seguida, também, a se soltar, ensaia terno voo até onde o vento for e depois possa vir lhe devolver. Nada sai do seu lugar se não houver relevante desígnio ou, sem antes, perceber a doce sinfonia dos pássaros.
Itinerante e surpreendente jeito de compreender o mundo ao redor do tempo e de si mesmo. Das imensas cortinas, nos instantes mais plurais, às intensas esquinas de um cenário uno e singular. Sincero universo de ares diversos, de alianças e de outras lembranças.
A cria oferece ao criador preciosa fronteira à celebração. Igualmente, é o que sugere esse novo ciclo do seu generoso diário do olhar, sobre o qual se expressam inventivo traço e benigno desenlaço. A distinguir alma e a abonar virtuosa existência a indomados saltimbancos.
O dizer privilegiado e fascinante de Ângela Bezerra de Castro, certamente, é, aqui, mais uma vez, sublimado pelas luminosas e encantadas vozes de Gonzaga Rodrigues, Martinho Moreira Franco e Sérgio de Castro Pinto.
Ao se debruçar, suavemente, sobre as mágicas cores e o fantástico movimento da extraordinária mostra que recebera como mimo, nossa cultuada mestra não se fez de rogada: “as figuras parecem flutuar”.
Juca Pontes é jornalista e escritor