Conta-se que quando Guimarães Rosa finalmente decidiu marcar a data de sua posse na Academia Brasileira de Letras pediu logo ao então presidente Austregésilo de Athayde uma banda de música para tocar na entrada do Petit Trianon. Diante do surpreso interlocutor, Rosa tratou de explicar. É que em Cordisburgo, sua cidadezinha natal, lá no interior de Minas, sem banda de música não havia festa. Por isso ele queria a banda, para seus conterrâneos saberem que havia festa em sua entrada na imortalidade. Athayde, claro, atendeu ao inusitado apelo e assim, também dessa forma, a modesta Cordisburgo fez-se presente na noite gloriosa.
Não é saudosismo reconhecer que o mundo mudou muito em apenas algumas décadasPois bem. Como Rosa e como tantos, também sou do tempo (epa!) em que a banda de música fazia parte da festa. A sua simples presença tocando uns dobrados já conferia importância à solenidade (não se falava ainda em evento), fosse ela qual fosse. Menino e rapazote, aquilo me causava forte impressão. Para mim, os acordes marciais davam autoridade e prestígio aos atores do acontecimento, muitos deles, só agora sei, desprovidos de qualquer mérito. Mas, aos meus olhos infantis e adolescentes, a banda tocando era sinal de que o momento era histórico (ou quase).
Isto sem falar nas retretas. Assisti a muitas na Praça João Pessoa. Era um acontecimento, naqueles começos dos anos 1960, em que a cidade ainda era pura aldeia, sem quaisquer sinais dos ares cosmopolitas que viriam depois e que hoje às vezes nos deixam em dúvida, sem saber se progresso é uma coisa boa ou não. As bandas eram normalmente as da Prefeitura e da Polícia Militar, raramente a do 15º RI, e todas me pareciam ótimas, afinadíssimas e garbosas.
A Praça João Pessoa era então o coração cívico-social da província. O Palácio, o Tribunal e “A União” abraçando preguiçosamente as famílias, os namorados e os simples curiosos que para ela convergiam nas frescas noites domingueiras de nunca mais. Ali passeavam não só os corpos, os olhares, mas igualmente os sonhos e os pensamentos de uma gente que ainda se conhecia de nome e de vista. Tinha vida a praça que realmente era do povo, tão diferente do que é atualmente, espaço esquecido, quase morto.
Não é saudosismo reconhecer que o mundo mudou muito em apenas algumas décadas. Muitas coisas, muitos costumes desapareceram num piscar de olhos. Por exemplo, os comícios, a beleza dos desfiles dos colégios no dia da independência, os jogos estudantis mobilizando a cidade, o corso no carnaval, os “assustados” no Astréa e no Cabo Branco, a Festa da Mocidade, na Lagoa, e a própria Festa das Neves, na General Osório, hoje mera lembrança do que já foi. As bandas certamente devem ter ido junto no mesmo vendaval destruidor, imagino.
Bandas de música da nossa aldeia, onde estais? Nunca mais as vi nem ouvi. Ainda existem? Se sim, raramente aparecem em público. Sua ausência é sinal de que burramente nos sofisticamos, e também de que já não fazem mais festas como antigamente.
Cordisburgo tinha razão.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB