Quando penso ter esgotado todo o acervo de orações, vejo que a sintonia com o Alto é infinta como a Inteligência Suprema. Mesmo respeitando preces historicamente tradicionais, como a de Cáritas, São Francisco, Pai Nosso, Credo, Ave-Maria e outras, o conceito de oração não se reflete exatamente em repeti-las. Ainda que, como atestam estudiosos do magnetismo e das energias vitais, o “Pai Nosso” tenha o poder de um mantra.
Essa cosmovisão imaginada no início das orações, traz-nos um reconforto inestimável e produz um estado interior sereno que, sem dúvida, acalma o coraçãoPrece é recolhimento, sintonia com o bem, que se processa de maneira pessoal tão diversa como diversos somos. Muitas vezes, basta um olhar poético que se deita numa flor, numa paisagem à janela, no lento desfile de nuvens pelo céu, no voo das borboletas e até mesmo no tilintar dos grilos, na escuridão da noite, pode-se transcender à conexão com o divino, objetivo de qualquer crença mística, holística ou religiosa.
Infelizmente, muitos ainda priorizam a prática de orações decoradas e repetitivas cuja sucessão mecânica e ritualística termina deixando o pensamento fugir da sintonia a que se propõem.
Para orar, nenhum artifício se faz necessário. Há de acontecer da forma mais pura, límpida e natural. A leveza, o desprendimento e o esvaziamento mental são de suma importância para criar o ambiente vibratório propício à elevação da alma e à afinidade com os planos vibracionais superiores.
Nessa ambiência, interna e externa, a gratidão deve ser o ponto de partida. Gratidão pela oportunidade do momento, nem sempre possível. E, de preferência, que esse instante aconteça pela manhã, logo após acordar, antes que o pragmatismo mecânico dos deveres diários nos arrebate o pensamento e ingressemos na rotina indiferentes ao milagre da existência. Que dificilmente voltará, em meio à sucessão das preocupações mundanas e da vida material, que nos põem viseiras impeditivas dos voos do espírito.
Após a gratidão, alarguemos a compreensão aos limites do que aprendemos de nossa história, desde que o planeta era uma bola de fogo, passou por eras de gelo, e, do lodo e plâncton, veio a vida. Das águas surgiram, infiltraram-se na terra e pelo céu se espalharam. E de tantas formas a Terra se revestiu, cobrindo-se de verde nas matas, dourando crepúsculos e alvoradas, prateando luas por cima dos mares e multiplicando-nos em povos, países e cidades. E nesse grande turbilhão urbano e humano fomos inseridos, século após século, milênio após milênio.
Essa cosmovisão imaginada no início das orações, traz-nos um reconforto inestimável e produz um estado interior sereno que, sem dúvida, acalma o coração. Após sintonizar com este “mundo”, acima do dia, é hora de se conectar com as boas intenções. Não de pedir, mas de prometer, sobretudo a si mesmo, que tentará manter o bem, a paz, o olhar solidário em tudo e para todos, procurando se livrar de mágoas, ressentimentos, preconceitos, de qualquer sentimento ou emoção que possam nos afastar desta sintonia.
Exatamente esse é o significado de “orar e vigiar”, bem advertido na Boa Nova, nosso maior código de conduta, seja para ateus, céticos ou aos que nutrem algum sentimento de religiosidade, bem distinto de religião.
Mas se seus efeitos não se fizerem permanentes em todos os nossos atos e pensamentos jamais a prece terá a bênção do “relegere”, aludida pelo Cícero de Arpino: “Todos aqueles que, pertencendo ao culto divino, diligentemente o repetem, como se o relessem, são ditos religiosos porque releem”.
É justamente nessa releitura da vida em que nos inserimos, individual ou coletivamente ao longo dos milênios, que a prece nos fará um bem enorme. Um bálsamo que durará até a noite, ao deitarmos a consciência na paz cultivada pelas ações e pensamentos benéficos, ou à manhã seguinte, quando a luz do dia nos convidar a uma nova prece.
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música