Era manhã de pandemia. Que nada tinha a ver com aquele dia. Quanta indiferença da natureza à aflição que o mundo vive. Que insensibilidade destas borboletas que insistem em beijar flores no jardim, assim que o Sol se mostra. Incansáveis serelepes não desistem de espalhar o amor que as multiplica.
As nuvens idem alheias, se desatam em mil formas sugerindo liberdade ao inimaginável. E logo se dissolvem ou renascem entre outras, num dos espetáculos que mais exprimem a efemeridade da existência.
As ondas sobre o mar também indiferentes. Desfilando enroscadas pelo vento, desenham risos brancos que emprestam ao mar um semblante de esperança em profusão iluminada. Há quantos milhões de anos ele tenta nos dizer isso, de inverno a verão, noite e dia, sob os mistérios da escuridão sem lua ou ao brilho que ela derrama para um deleite tão sublime quão fugaz… E há tantos que o escutam sem ouvir. Sem ao menos perceber que o marulho também canta.
Por cima dele as tartarugas se esbaldam à luz desses dias que intermediam a chegada do inverno. O mar agora é mais delas. Vez por outras espiam o mundo para ter a certeza de que o de baixo, submerso e protegido, é melhor do que aqui fora Não há riscos virulentos. Ainda se houvesse, seguiriam confiantes, como as nuvens e os pássaros, nos dias que hão de vir. Foi assim a vida toda, nunca nada questionaram nem deixaram que o medo trepidasse em seu caminho. Fazem jus ao que ensinam as lições do meigo Mestre. Para que se inquietar com o dia de amanhã, pois se o tempo que virá cuidará do próprio eu?
Somos todos pó e alma que revolvem pela vida, ora em terra ora em céusConfinados, é só o que nos resta. Quiçá agora com mais tempo para ver os cenários a vagar, nos inspirem a refletir sobre o curso da história. Foram tantas pandemias, foram tantas agonias… Por elas inúmeras gerações transitaram, sucumbiram, superaram ou não seguiram. Umas se foram, outras chegaram, no vai-e-vem inexorável da vida que não pára, no que nasce e renasce, assim decide a Lei.
Confinados, gratidão é o que nos resta, longe da felicidade. No mundo próximo e paralelo tudo segue com dureza. Aos que sorte não tiveram, aos que lutam pela vida, aos que nunca se isolaram, por dever ou não poder, havemos de vibrar com todo o coração. Imaginem-se sem eles…
Volto os olhos à janela e ao jardim que me sorri. Outro sempre a nos dizer “tenha calma, tudo passa”… Lembre de quem hoje vive nos canteiros de Monet... Imagine que outros olhos no futuro estarão espiando as borboletas sem sequer imaginar que por elas te encantavas. E assim tudo se vai...
Confinados, isolados, resta a história que nos livros tanto tem a ensinar. Ou a música que enleva sob o dom de fazer crer que acima do azul, onde o céu ilude a vista, o universo resplandece em seu rumo espiralado. Ainda que o olhar não alcance tantos sonhos, que a paz não se esconda na ilusão do que não passa.
Se as tantas gerações, entre gênios e artistas, que na Terra transitaram no destino que lhes coube, prosseguiram sem cessar entre as vidas sucessivas, por que a nós não caberia igual sina ou desventura dos grilhões a que nos prende este carma inexorável? Somos todos pó e alma que revolvem pela vida, ora em terra ora em céus, irmanados na essência, semelhantes produzidos pela Criação Divina. Que a esperança nos conceda, sob a fé raciocinada, a certeza de que tudo o que vem ou já passou é o que tem de acontecer, como um dia atrás do outro.
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música