Nem tanto mais imponente, mas desafiante do esquecimento que a persegue nas últimas décadas. Para olhos atentos, ela fornece pinturas, em meio à chuva, no rasgar do sol matinal, na penumbra vespertina. Muitas vezes se transforma em ouro ao deixar-se tocar pelos raios das primeiras e últimas horas do dia.
Ah! Quantos sonhos, beijos e amores não atravessaram aquela velha ponte?
Parapeitos esfarelados, ferrugem que corrói e come lentamente e inexoravelmente a armação, passarela despudorada dos dias de glória com o passar dos mais variados modelos de veículos. Com o tempo ficou estreita, obsoleta, de ligação tornou-se desligada. Em poucas décadas, o cordão umbilical se desfez, mudou de endereço, ali permaneceram a saudade e o encanto de um belo lugar, apesar dos maus-tratos.
Abandonada, ficou a ver navios, aliás, a ver canoas a passar embaixo de si, e sobre sua estrutura, poucos pedestres, ciclistas ou motociclistas durante o dia. Testemunhas dispersas, ignorantes da beleza que insiste em sobreviver e até dos perigos que por ali podem residir.
Na vizinhança permaneceram o rio, o trem, a vegetação do manguezal, os garotos acrobatas que desafiam a altura e a maré em saltos ornamentais fazendo-a de trampolim. Todos formam composições de belos enquadramentos.
E lá se vai mais de um século de sobrevivência. Erguida em 1840, feita toda em aço e madeira, ganhou na década de 70 do século passado uma cobertura de concreto para permitir a passagem dos veículos pesados. Era importante, diria estratégica. Tombada como patrimônio histórico da Paraíba, hoje é mais um monumento esquecido.
A construção de uma nova estrutura algumas dezenas de metros sobre o rio decretou sua desimportância. A fragilidade fez com que há algumas décadas perdesse a serventia prevista em seu projeto original. Poderia não suportar o peso dos veículos, pois há muito já não aguentava o fluxo em dois sentidos.
A Ponte do Baralho, eis o seu nome, herança da localidade que margeia o rio Sanhauá do lado de Bayeux , foi caindo no jogo do esquecimento. De elo principal entre João Pessoa e a cidade vizinha, dando prumo para o interior através da Avenida Liberdade, até desaguar para as bandas de Santa Rita, Cruz do Espírito Santo, Sapé, passou a ser vista como carta fora do baralho.
Visão de míopes, pura ignorância ao permitirem irresponsavelmente que a velha ponte se estrague, ao aguardar que ela caia, suma, sepultada nas águas escuras do Sanhauá. Um crime contra a Parahyba.
Se abrissem os olhos perceberiam a velha ponte como alternativa de salvação para toda uma região. Rejuvenescida, ela seria o palco perfeito para fazer renascerem os dois lados do rio, onde a cultura, o turismo, lucrariam com beleza, emprego e renda. Imaginemos passeios de barco, quiosques com bares e mirantes nas suas margens.
A cidade que nasceu às margens do Paraíba, na junção com o Sanhauá, insiste em só ver beleza apenas no mar. Não há pecado na água salgada, porém, por que condenar a água doce?
E a velha ponte segue sua sina. Até quando resistirá sem consolo? E quando, enfim, sem forças, desabar sobre as águas do Sanhauá, certamente questionarão hipocritamente em busca de respostas para o desastre. Mas aí, as águas do Sanhauá terão passado e a velha ponte do Baralho só se revelará nas antigas fotos e nas lembranças.
A Ponte do Baralho vive um jogo perdido.
Clóvis Roberto é jornalista e cronista