Li que uma flor nasceu na estação Estação Espacial Internacional, em maio de 2016. Uma flor do gênero das zínias e constituiu o primeiro espécime vegetal a nascer fora da Terra. Em 1982 os russos cultivaram na estação Salyut 7 alguns arabidopsis, mas o feito que o astronauta Scott Kelly acaba de conseguir parece mais expressivo, pois as zínias completaram seu ciclo de desenvolvimento até florescer. Os cientistas da Nasa estão eufóricos, e não é para menos.
Flores nascem todo dia, em jardins bem ou malcuidados. Existem até as que rebentam em terrenos baldios, como por geração espontânea; essas não impressionam nem comovem ninguém. Mas uma flor numa estação espacial surpreende e tem um inegável valor simbólico. Mostra que é possível cultivar a vida fora do nosso planeta e estimula o sonho dos que acham possível deixá-lo um dia.
Pelas condições em que a Terra se encontra, maltratada e poluída, chegará o momento em que viver nela se tornará impossível. Entre os que têm essa opinião está o físico Stephen Hawking, que num programa da BBC afirmou: “Apesar de a possibilidade de um desastre no planeta Terra em um determinado ano poder ser bem baixa, isto vai se acumulando com o tempo, e se transforma em quase uma certeza para os próximos mil ou dez mil anos". A solução será abandonar nosso planeta-mãe e tentar colonizar outros.
O fato de uma flor ter nascido numa estação espacial estimula bons prognósticos. Pelo aroma, a delicadeza, o desenho caprichoso, a flor é um marco de beleza e renovação. Uma eclosão de esperança. Os poetas, particularmente, são atentos ao seu valor simbólico. Para representar o sonho de paz num mundo transtornado pela guerra, Drummond escreveu que “uma flor rompe o asfalto”.
Chega a ser um acinte falar em exploração espacial, com todo o dinheiro que isso demanda, quando muitos mal têm o que comerEla representa a vitória da fragilidade sobre a prepotência. É uma nota de lirismo num ambiente em que os corações padecem de melancolia e aridez. Foi com flores que o movimento hippie se propôs a enfrentar a ânsia aquisitiva de um mundo fascinado por sucesso e dinheiro. Para tentar moderar os excessos do capitalismo, elegeram-nas como instrumento de conclamação à paz e ao amor.
Esperemos que a flor nascida na estufa da estação espacial seja também um aceno de convivência harmônica entre os homens. Depois dela, que é um organismo vegetal, chegará a vez do organismo animal. O aparecimento da vida em condições de microgravidade abrirá o caminho para que ela ocorra em condições ainda mais adversas. Quem sabe, em outros planetas.
O triste de pensar nessas coisas é que a Terra parece cada vez menos florida. Em muitas de suas regiões, o pântano chamado miséria soterra crianças, pobres e outros tantos desvalidos. Chega a ser um acinte falar em exploração espacial, com todo o dinheiro que isso demanda, quando muitos mal têm o que comer, beber ou vestir. Para esses a Terra já se tornou inabitável, e não há nenhuma perspectiva de fuga. O que significa, para eles, a zínia que floresceu na estação espacial? Nada. Ela é tão distante quanto lhes é próxima a ameaça da zica, a doença que reduz o cérebro de suas crianças.
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor